quinta-feira, 21 de julho de 2011

Sexualidades

Em qual das cenas podemos falar que existe sexualidade?

Hoje parece muito tranquilo falar sobre sexualidade, inclusive associar a ideia de sexualidade dentro de um contexto da infância. Esta história, como pretendo demonstrar, não foi tão simples assim.

Se, por um lado, a sexualidade é pauta nas escolas para os educadores, por outro, ela ainda é um mau dito nas famílias. Ao mesmo tempo em que é velada dentro de casa, restrita aos casais adultos, em outros lugares assume um caráter de conteúdo pedagógico, classificada, estudada, desmascarada, dita, ensinada. Tanto um quanto outro, a sexualidade ainda se encontra encarcerada em si mesma.

A sexualidade é confiscada aos adultos, as crianças não têm sexo, boa razão para interditá-lo, impondo um silêncio geral, as crianças são proibidas de falarem, são tampados os olhos e os ouvidos aonde quer que venham a manifestá-lo (Foucault, 1988, p. 10).

Essa idéia ainda é vigente em muitos casos, nos dias de hoje. Não é só no ambiente familiar que a sexualidade está banida, mas também dentro das igrejas, nas empresas, no campo de futebol, nas escolas. Enfim, em todos os casos as muitas sexualidades assumem o conceito de sexo, de coito, de pecado, de vulgaridade, de promiscuidade, desvios, patologias, e até mesmo de material pedagógico. Seguindo essa linha de raciocínio, ao nos depararmos com uma cena de conotação sexual, um menino abaixando as calças de uma menina, por exemplo, nos remete a uma série de conceitos, em sua maior parte de ordem moral. Difícil separar o termo sexualidade da vigência moral, não?!

Enquanto instrumento de punição, a sexualidade durante a Idade Média encarna em um dos instrumentos de tortura utilizados, como o Berço de Judas (Imagem 1), a vítima era despida e presa por um cinto na cintura e, mãos e pés amarrados. As pernas eram mantidas levemente abertas por um pedaço de madeira. O condenado, com as pernas estendidas para a frente, era abaixado sobre o topo de uma pirâmide pontiaguda, afiada, onde esta penetraria o ânus ou a vagina. Com seus músculos contraídos, não podia relaxar ou cair no sono.

Imagem 1: Berço de Judas

O ditado “não passa nem uma agulha” faz todo o sentido nessa cena. Se passar uma agulha imaginem o que vem junto. Punição à parte, o Brasil também já estava marcado por uma sexualidade vergonhosa com a chegada dos portugueses, vejamos um trecho da carta que Pero Vaz de Caminha encaminhou de volta a Portugal relatando suas descobertas:

Também andavam entre eles quatro ou cinco mulheres, novas, que assim nuas, não pareciam mal. Entre elas andava uma, com uma coxa, do joelho até o quadril e a nádega, toda tingida daquela tintura preta; e todo o resto da sua cor natural. Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma.

A religião fez um bom trabalho com as sexualidades ditando a moral de suas vergonhas, expondo sua indecência e exigindo que fosse falado nos confessionários ao mesmo tempo em que o sexto mandamento – Não pecar contra a castidade, era exigido. Muitos do clero acreditavam que era necessário para que as confissões fossem completas um exame minucioso do ato sexual em sua própria execução: posição respectiva dos parceiros, atitudes tomadas, gestos, momento exato do prazer. Mas, as palavras podiam ser muito bem policiadas pela língua, passa-se então ao exame de todas as insinuações da carne, pensamentos, desejos, imaginações voluptuosas, deleites, movimentos simultâneos da alma e do corpo.  Das palavras às ações, o sexo, segundo a nova pastoral, pós-Concílio de Trento, não deve mais ser mencionado sem prudência. Tudo deve ser dito, uma sombra num devaneio, uma imagem expulsa com demasiada lentidão, uma cumplicidade mal afastada entre a mecânica do corpo e a complacência do espírito (Foucault, 1988, p. 24-25).

Não apenas a religião se apropria da sexualidade, a medicina também assume um discurso próprio, entretanto, não menos repressor. A partir do século XVIII, com o surgimento da “população”, constroem-se todo um discurso sobre a natalidade, morbidade, esperança de vida, fecundidade, incidência de doenças, forma de alimentação, dentre outras. Desta forma, através da economia política da população é criada uma teia de observações sobre o sexo. Surge a análise das condutas sexuais, suas determinações e efeitos, nos limites entre o biológico e o econômico, como forma de regulamentação e controle dos corpos, e consequentemente, dos prazeres. Um poder é regulamentado sobre o sujeito, reprimindo com particular atenção as energias inúteis, a intensidade dos prazeres e as condutas irregulares.

A sexualidade é dominada então, por uma scientia sexualis, definida como sendo, por natureza, um domínio sujeito aos processos patológicos. Solicitando intervenções terapêuticas ou de normalização. Para justificar esse campo, todo um discurso sobre o sexo foi construído, descrevendo tanto as deficiências cotidianas quanto as estranhezas ou as exasperações. A homossexualidade, por exemplo, durante o século XIX, teve muitos nomes de batismo como: os exibicionistas de Laségue, os fetichistas de Binet, os zoófilos e zooerastas de Krafft-Ebing, os automonossexualistas de Rohleder, mixoscopófilos, ginecomastos, presbiófilos, os invertidos sexoestéticos e as mulheres disparêunicas (Idem, p. 51).

Vejamos um caso descrito por Foucault (1988, p. 37-38):

Num dia de 1867, um trabalhador agrícola da aldeia de Lapcourt, de espírito um tanto simples, empregado sazonalmente de canto ao outro, alimentado aqui e acolá por um pouco de caridade e pelo pior dos trabalhos, morando em granjas ou estábulos, sofre uma denúncia: nas fímbrias de um roçado, havia obtido algumas carícias de uma menina, como já havia feito, como tinha visto fazer, como faziam em volta dele os moleques da aldeia; é que na orla do bosque ou nas valas da estrada que leva a Saint-Nicolas, brincava-se familiarmente de ‘leite coalhado’. Ele foi portanto, delatado pelos pais ao prefeito da aldeia, denunciado pelo prefeito à polícia, por esta apresentado ao juiz, inculpado por este e submetido inicialmente a um médico, depois a dois outros peritos que, após elaborarem seu relatório, publicam-no. O que é importante nesta história? Seu caráter minúsculo: que o cotidiano da sexualidade aldeã, os ínfimos deleites campestres tenham podido tornar-se, a partir de um certo momento, o objeto não somente de uma intolerância coletiva, mas de uma ação judiciária, de uma intervenção médica, de um atento exame clínico e de toda uma elaboração teórica.

Temos aqui, o efeito moralizador do sexo confinado no saber religioso, na ciência, e nas decisões judiciárias, criminalizando a sexualidade desviante de um conceito de normal e ético. Mesmo com nosso trabalhador agrícola tido como ausente de culpa, isso não o poupou de passar o resto de sua vida enfurnado num hospital, submetido a toda uma série de exames de sua anatomia, buscando sinais de degenerescência, que fosse interrogado minuciosamente sobre todos seus pensamentos, gostos, hábitos e desejos. O sexo não é somente julgado, mas inclusive, administrado. Essa administração não é restrita a vida conjugal, legítima de preferência, mas também para aqueles que não se incluem nessa condição, ou seja, é exigida toda uma pedagogia sexual para os que não podem gozar dos prazeres sexuais.
            
Não mais a partir de uma liberdade discursiva entre professores e alunos, como está presente nos Diálogos, de Erasmo que aconselha seu discípulo na escolha de uma boa prostituta, o discurso sobre o sexo não é silenciado, mas fala-se de uma outra maneira. O sexo dos alunos passa a ser, a partir do século XVIII um problema público. Os médicos dirigem-se aos diretores e professores e também dão conselhos às famílias, os pedagogos fazem projetos submetendo-os às autoridades, os professores fazem recomendações aos alunos com livros cheios de conselhos médicos e exemplos edificantes (Foucault, 1988, p. 33-34). Falar do sexo das crianças, fazer com que falem dele os professores, médicos, administradores e os pais. Qualificam-se os locutores com conteúdos codificados. Ainda mesmo, falar de sexo com a criança, fazer elas mesmas falarem corresponde ao encerramento de um discurso que se dirige a elas, impondo-lhes conhecimentos canônicos ou formando um saber que lhes escapa, acaba por intensificar a vinculação e o estabelecimento do poder.
            
Pensemos em como o sexo foi delegado ao nível das proibições. As alianças consangüíneas, como o incesto, e a condenação do adultério por um lado e, os hábitos solitários das crianças tão fortemente perseguidos, por outro. Tanto a medicina quanto a lei, fazem cumprir uma forma de adestramento e de penalidade, em todo o canto onde havia o risco de se manifestar, foram instalados mecanismos de vigilância, estabelecidas armadilhas para forçar confissões, impostos discursos corretivos. Some-se a esta caçada às sexualidades a incorporação das perversões e uma nova classificação dos indivíduos, presente nele como um todo, nada daquilo que faz escapa à sexualidade. Porém, na questão do sexo desenvolve-se dois processos, é exigido que se fale a verdade, mas já que trata-se de um segredo que escapa a si mesmo, reserva-se o direito de dizer a verdade sobre a verdade, é exigido do sujeito dizer então, esta nova verdade produzida a partir das análises, dos interrogatórios, da normatização, da moral, a partir da causalidade no sujeito, em seu inconsciente, a verdade num outro que sabe, o saber, daquilo que ele próprio ignora.
            
Em meio a estas análises que fogem ao sujeito surge dentro do discurso médico uma reviravolta na então, moral sexual vigente, interdita e repressiva. A sexualidade negada na criança e em suas práticas é afirmada e as perversões vão estar presentes em todas elas, de uma forma ou de outra. Se por um lado Copérnico revolucionou com a teoria heliocêntrica do sistema solar, afirmando que não era a Terra o centro do universo, mas sim o Sol, temos também Darwin que mudou a forma como víamos o homem na teoria da evolução das espécies, Sigmund Freud faz sua contribuição com a invenção da psicanálise, para dizer que o homem não é senhor em sua própria casa, através da análise do inconsciente.
            
Freud dirige-se para Paris em 1885 para assistir as aulas clínicas de Jean-Martin Charcot (Imagem 2), o maior neurologista da época. Conhecida desde a antiguidade, a histeria se manifesta como uma doença do útero que toma o corpo das mulheres. Para entender a origem das convulsões, os médicos utilizavam a hipnose deixando suas pacientes em um estado de sono acordado. Charcot por meio da hipnose, fazia desaparecer as paralisias e contrações das histéricas do Hospital da Salpêtrière, demonstrando que a histeria é uma neurose funcional sem ligação com o útero. Era, na verdade uma manifestação física originada a partir de uma causa psicológica. Contrariando os médicos da época de que todas as patologias têm uma causa orgânica, demonstra através da hipnose que os sintomas histéricos podiam ser tirados e criados através da sugestão, situando a histeria como uma doença puramente mental. 



 


Imagem 2: A Lição Clínica do Doutor Charcot (1887) de Pierre André Brouillet Charroux.


No Instituto de Fisiologia de Viena, Freud conheceu o médico Joseph Breuer. Breuer descreve para Freud um caso, que tratava-se de uma jovem mulher inteligente que sofria do que viria a ser chamada como histeria aguda. Ela tinha esquecido sua língua materna, recusava a beber água e tinha uma paralisia histérica. Conhecida na literatura como Anna O., tinha 20 anos quando surgiram seus primeiros sintomas.

Condenadas a se tornarem esposas rígidas como suas mães, essas jovens da alta sociedade vienense aspiram secretamente por outra vida, mas ninguém as escuta. Incapazes de enfrentarem seus destinos, elas adoecem.” (Roudinesco e Kapnist, 1997)

Trabalhando com essa paciente, Breuer desenvolve a cura pela fala. Ele a hipnotizava e pedia que ela se lembrasse e falasse de determinadas coisas contribuindo para que os sintomas desaparecessem. Juntamente com Freud, escrevem os “Estudos sobre a histeria”, lançado em 1893, marcando o início da Psicanálise. Este livro relata vários casos de histeria, inclusive o de Anna O., retratando o tratamento e os resultados obtidos pelo método chamado de Catarse. Este método pressupunha que o paciente fosse hipnotizado ampliando sua consciência, levando o sujeito a retroceder, numa espécie de rememoração, até o momento em que o sintoma surgiu pela primeira vez. Feito isso emergiam no doente lembranças, pensamentos e impulsos até então excluídos de sua consciência, e no momento em que estes conteúdos eram ditos os sintomas eram superados. O sintoma histérico, desta forma, toma o lugar de processos de transformação, ou na linguagem dos autores, de conversão.
            
Freud abre seu consultório particular em Viena atendendo, essencialmente, as mulheres da burguesia vienense sofrendo de psychoneurosis, como as doenças dos nervos, as neurastenias e as histerias. Só em 1889 abandona a hipnose quando uma de suas pacientes ordena que Freud se afaste dela e não se mexesse: “Não fale comigo, não me toque. Escute-me”, mantendo a posição deitada do paciente em um divã atrás da qual ficava sentado numa poltrona, permitindo com que visse o paciente sem ser visto por este. Falando livremente, os pacientes de Freud contavam histórias sobre suas infâncias e fantasias, essa fala caótica fez com que Freud atribuísse à sexualidade um lugar fundamental na determinação da vida psíquica. Mas, de que falavam as histéricas? Convidadas a associar livremente, levavam-nas a falar de seu passado, na forma de reminiscências soltas ou encadeadas, reminiscências de infância, reminiscências sexuais, de seus desejos incestuosos e das vicissitudes desses desejos, dos momentos de trauma. Falar era então recordar, trazer à tona as lembranças dos acontecimentos cruciais do passado que o paciente, como por efeito de uma lei, relacionava invariavelmente às questões de sexo e de morte, conforme as articulações próprias a cada sujeito. Acontecimentos cruciais que, muitas vezes vinham travestidos de banais.

Freud acreditava ter resolvido o problema da histeria e da neurose obsessiva encontrando a fórmula do choque sexual e do prazer sexual infantil. Estes fatos culminam na elaboração da Teoria da Sedução, que consistia na memória de cenas reais de sedução, um trauma real que o sujeito sofria na infância invariavelmente de um adulto através do estupro ou carícias. Um mecanismo de repressão destas cenas fazia com que este conteúdo retornasse para o sujeito na forma de uma neurose, como uma paralisia histérica, por exemplo, ao tomar consciência destas cenas o sintoma era eliminado. Isso significaria que todo neurótico tinha sofrido um tipo de abuso real em sua infância. Será? Esse questionamento fez com que Freud rejeitasse a teoria da sedução, abusos e violências existem nas famílias, mas isso não dá conta do imaginário sexual de cada sujeito. Freud destaca a ocorrência das fantasias ligadas a observação do coito dos pais, a sedução por um adulto e a ameaça de ser castrado, mesmo sem encontrar apoio em cenas reais, eles se estabelecem a partir de indícios complementados com fantasias do próprio sujeito. Acreditava que no inconsciente não existe um signo de realidade, onde não se pode distinguir a verdade da ficção investida com afeto. Separa-se aqui as realidades, temos uma realidade de fato e uma realidade psíquica.
            
Uma das maiores contribuições de Freud, sem dúvida, trata-se dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de 1905. Neste trabalho, originado a partir de seus estudos sobre as neuroses, Freud compara que a libido está para a pulsão sexual assim como a fome está para a pulsão de nutrição. Por pulsão podemos entender como o representante psíquico de uma fonte de estimulação que flui continuamente, diferentemente do estímulo, não possui uma qualidade específica, o que as dota de propriedades e as diferencia é suas relações com suas fontes e seus alvos. Esta pulsão sexual não estaria ausente na infância como se pressupõe. Sua maior contribuição, porém, ainda está por vir.
            Aquilo que deveria ser tido como um caminho normal da libido com relação ao objeto sexual (a pessoa de quem provém a atração sexual) e ao alvo sexual (a ação para a qual a pulsão direciona-se) apresenta muitos caminhos. Na época a homossexualidade, por exemplo, era tratada como um desvio da libido, eram os invertidos. O normal vigente seguia, assim como ainda segue, uma ordem familiar católica onde temos um homem e uma mulher que vêem no sexo a função para procriação, desta forma, toda e qualquer manifestação sexual que fuja dessa finalidade, trata-se, como vimos anteriormente, um pecado, um crime, ou uma degeneração. Quando pensamos que esta discussão está longe ou ultrapassada, cita-se como exemplo a tentativa de distribuição de um kit contendo cartilhas e vídeos falando sobre outras possibilidades para a pulsão sexual, como a bissexualidade, por exemplo. Negada sua distribuição nas escolas públicas pelo governo sob vários pretextos inclusive que “estes vídeos deformariam as crianças”.
            
Uma das primeiras impressões da inversão concebia-a como um sinal inato de degeneração nervosa, contrabalançando com os relatos médicos de terem encontrado a inversão em pessoas tidas como doentes dos nervos. Freud vai contra a ideia da degeneração explicando que a inversão era encontrada em pessoas que não exibiam nenhum outro sinal de desvio grave da norma e que, da mesma forma, a inversão era encontrada em pessoas cuja eficiência não estavam prejudicadas e que inclusive se destacam por um desenvolvimento intelectual e uma cultura ética elevada. Quanto à condição inata da inversão, Freud dispõe que, a partir de uma análise mais detalhada apontam para uma variação da pulsão sexual vivenciada na primeira infância. Até mesmo a frase “um cérebro feminino num corpo masculino” não se sustenta, pois ignora-se o que seria realmente as características de um cérebro feminino. Entretanto, fica a ideia de uma disposição bissexual na homossexualidade. Para Freud, na vida anímica (psíquica) todos os neuróticos, um destaque para o termo sem exceção, encontram-se noções de inversão, de fixação da libido em pessoas do mesmo sexo. Duvida?!



Jogadores da Universidade do Chile comemora gol contra o Flamengo.

Sobre os desvios com respeito ao alvo sexual, considerando como alvo normal a união dos genitais no coito, reconhece-se nas preliminares uma descarga da pulsão causando grande satisfação, tidos como perversões. Teríamos assim como atos perversos, ou seja, que afastam a finalidade do coito, propriamente dito, o beijo, as carícias íntimas, o sexo oral e anal, e não só o corpo é tomado como desvios para o ato sexual, mas também objetos do vestuário, por exemplo. Nas palavras do próprio Freud:

O ponto de ligação com o normal é proporcionado pela supervalorização psicologicamente necessária do objeto sexual, que se propaga inevitavelmente por tudo o que está associativamente ligado ao objeto. Por isso certo grau desse fetichismo costuma ser próprio do amor normal, sobretudo nos estágios de enamoramento em que o alvo sexual normal é inatingível ou sua satisfação parece impedida.  
   
Tomando desta forma, o caráter patológico só se daria quando o anseio pelo fetiche se fixa, indo além desta condição, se pondo no lugar do alvo sexual e ainda, quando o fetiche se desprende da pessoa e torna o único objeto sexual. Fora isso as perversões, ou melhor, os desvios dos alvos sexuais podem ser esboçados no processo sexual normal. Porém, existe um limite para as perversões, uma vez que a pulsão sexual tem de lutar contra certas resistências anímicas (psíquicas) como a vergonha, o asco e a moralidade. Estas resistências contribuem para circunscrever a pulsão dentro dos limites considerados normais. Para Freud, entre o estabelecimento da pulsão e o antagonismo da renúncia ao sexual encontra-se a saída para a doença, não solucionando o conflito, veja bem, mas escapa a ele pela transformação das aspirações da libido em sintomas. A neurose é por sua vez o negativo da perversão.

A origem da fantasia encontra-se no confronto entre o mundo da criança com o mundo adulto. Encontra-se na literatura sobre o assunto, notas ocasionais sobre a atividade sexual precoce em crianças, como ereções, a masturbação, e até mesmo atividades semelhantes ao coito, porém são citadas como processos excepcionais, curiosidades ou exemplos assustadores de depravação precoce. Freud ao falar da relação da criança com aquela que presta cuidados, aponta para o fato de que esta atividade constitui para a criança uma fonte incessante de geração de prazer sexual, mediante a estimulação de zonas erógenas. Como geralmente, este cuidador é a mãe, esta ao acariciar, beijar ou embalar o bebê, está colocando este ser em uma posição de objeto sexual, numa espécie de gratificação não apenas das necessidades físicas da criança, mas também de seus desejos e angústias. E que zonas erógenas são essas?
            
Vamos a elas: 
  • Fase oral – a boca é a região do corpo erotizada. A atividade do bebê de mamar, ou sugar, não está ligado exclusivamente a satisfação da nutrição, uma vez que as crianças sugam várias coisas que não estão relacionados à alimentação como objetos, órgãos de seu próprio corpo ou de outros. O bebê experimenta nestas atividades de sugar uma reação de relaxamento, de prazer;
  • Fase anal – a zona anal é uma zona erógena de grande importância, que conserva em muitas pessoas uma parcela da excitabilidade genital. O controle dos esfíncteres gera grande prazer nas crianças, pois a urina e as fezes representam suas primeiras produções, na vida adulta essas produções assumem variadas formas como as artes. Esta é uma primeira possibilidade de controle sobre o próprio corpo, ou o primeiro recalcamento das possibilidades de prazer.
  • Fase fálica – segundo Freud esta fase já pode ser entendida como uma fase genital, onde se encontra um objeto sexual e uma convergência das tendências sexuais sobre este objeto, diferenciado da fase genital (dois órgãos genitais) pela maturidade sexual, reconhecendo apenas um órgão sexual, a saber: o órgão masculino. Tanto meninos quanto meninas, estão preocupados com o objeto fálico ou a ausência deste (a castração). Durante a fase fálica temos o que Freud chamou de Complexo de Édipo, associando à tragédia do Édipo Rei, de Sófocles, que mata o pai e desposa a mãe. O Complexo de Édipo posiciona a criança numa relação triangular com diferentes caminhos para ambos os sexos, caracterizando sentimentos contraditórios de amor e hostilidade. Como metáfora, trata-se do amor a figura materna e ódio a figura paterna. Nesta fase a criança começa a sofrer certos tipos de privações, de proibições, como ter que dormir num quarto separado dos pais, por exemplo. A mãe insere um terceiro em sua relação com a criança, portador de uma Lei que a castra. Ninguém nunca ouviu uma mãe dizer: “Se você não parar de chorar eu vou contar para seu pai!”? Ao mesmo tempo em que nutre sentimentos de ódio por este pai privador também o ama. A diferenciação do sujeito volta-se pela identificação da criança com um dos pais.
  • Fase de latência – origina-se com a dissolução do Complexo de Édipo, mesmo que nesta fase temos uma pausa na evolução da sexualidade, isto não significa, necessariamente, que a criança não tenha interesse sexual. O surgimento de sentimentos de pudor e repugnância, a identificação com os pais, a intensificação das repressões e o desenvolvimento de sublimações são características do período de latência.
  • Fase genital: surgimento na puberdade, onde se tem um maior investimento libidinal nas genitálias, tanto masculinas quanto femininas.
            Freud afirma que a criança é uma perversa polimorfa, uma vez que a moral, o asco e a vergonha ainda não se instauraram. Não apenas as zonas erógenas fazem parte do investimento libidinal, assim como outras pessoas. Pulsões de olhar, ou de exibir, aparecem na infância associando-se depois na vida genital. Um outro ponto importante trata-se da pulsão escopofílica (saber) em que a criança assume um movimento investigatório sobre variadas questões, é a fase dos por quês.
            
Muitos outros autores constroem uma teoria acerca da sexualidade, ou a partir da psicanálise, ou partindo de outros pontos de vista. Mesmo assim, independente da teoria e da construção a ser feita, o momento em que nos deparamos com uma cena “sexualizada”, nos parece algo novo e que causa um certo impacto. “E agora?”, “Interrompo ou finjo que nem vi?”, “Não acredito...!”. Com toda nossa vivência, com toda nossa experiência podemos, enfim, nos perguntar: “O que é sexualidade?”