segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Eu matei minha mãe



"Eu não fui feito para ter uma mãe"
"Talvez a tua mãe não tenha sido feita para ter um filho"

E quando as relações entre mãe e filho não foram das melhores?! Com certeza muitos filhos se identificarão com o filme "Eu matei minha mãe", do jovem diretor Xavier Dolan, de 19 anos. Com certeza, muitas mães se identificarão com o filme "Eu matei minha mãe", do jovem diretor Xavier Dolan, de 19 anos. Para aqueles que leram o texto que postei abaixo (Meu filho, você não merece nada), sabem o preço que se paga quando um relacionamento entre pais e filhos se baseia numa ilusão. Pelo menos Dolan tem coragem em assumir que algo não vai bem, talvez seja fruto de sua idade, pois se fizesse este filme quando adulto, provavelmente não assumiria seu ódio por sua mãe. Hubert (interpretado pelo próprio Dolan) não esconde o asco que tem de sua mãe, não esconde a ausência do pai, não tem a pretensão de passar a vida escondido. Não pensem que admitir tudo isso vai tornar a vida mais suportável...

"Meu filho, você não merece nada"

O texto escrito pela jornalista Eliane Brum, intitulado “Meu filho, você não merece nada”, é bem claro ao falar das atuais crianças e adolescentes. A autora cita os jovens como uma geração ao mesmo tempo preparada com relação às habilidades, para lidar com as tecnologias, entretanto despreparada, pois não sabe o que fazer com as frustrações. Temos toda uma geração que foi ensinada a acreditar que a felicidade é um direito. Ao terem seus desejos satisfeitos pela presença de pais que querem garantir aos seus tudo aquilo que não tiveram, passa-se a ideia de que o esforço é algo a ser desprezado, ter de dar duro para conquistar o que se quer já traz consigo a marca do perdedor. Ora, ou não vemos um certo ideal de bacana ser aquele sujeito que se deu bem na vida?! Sem ter que estudar, claro. Estudar é para toda uma classe que nasceu desprovida e precisa ralar para ter um lugar de privilégios. 

Da mesma forma, existe a crença de que é possível viver sem sofrer. Todos os sofrimentos humanos podem ser classificados, diagnosticados em síndromes ou transtornos e, o melhor, podem ser tratados com uma pílula. Concordo com a reflexão da autora:

Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.”

Muitos relacionamentos familiares são construídos a partir desta premissa, resta fingir toda uma vida, uma vez que esteja baseada em uma ilusão. Em muitos casos, a casa cai. Quando pensamos no título do texto, “Meu filho, você não merece nada”, temos um erro (proposital?) da autora. Não merecer algo, pressupõe um futuro com uma recompensa, portanto, negada. Se fosse uma afirmativa, seria “você merece”. Se esta recompensa é o nada, ao negá-la teríamos algo, mas o que vem a ser?! Não merecer nada, significa que se merece algo, mas não podemos recair no erro de simplesmente inverter a frase, “Meu filho, você merece tudo”.  Seria potente demais merecer tudo, assim como seria angustiante demais merecer nada. Entre uma e outra pode-se pensar justamente naquilo que se nega nas frases citadas, a possibilidade de algo a ser construído, pois o que fica em jogo é apenas o merecimento, sem levar em conta todo o caminho até lá. E não foi desta forma que começamos este texto? Entre preparados e não-preparados, sofrer e não-sofrer, merecer e não-merecer, a dicotomia mascara algo. O quê?! Que cada um descubra suas próprias questões! Mas, desta vez sabendo que a vida é uma possibilidade em aberto.

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Violência escolar

Assisti ontem o documentário Bullying Fatal, que conta a história da jovem Phoebe Prince. Esta muda-se com a família da Irlanda para os Estados Unidos, sendo perseguida na nova escola numa pequena cidade de Massachusetts, por um grupo de adolescentes. Ao que parece esta história teve início quando Phoebe sai com dois dos garotos mais populares da escola. Para os alunos antigos, esta atitude foi algo como "furar a fila", pois como é que uma caloura consegue sair com os garotos mais disputados antes de todas as outras? Phoebe sofre por meses com provocações, perseguições e ameaças, nem mesmo em sua casa encontra paz, sendo que, as ameaças continuam na internet e pelo celular. Entre os agressores, estão as meninas mais populares da escola, líderes de torcida, e os rapazes com o qual Phoebe saiu. Este evento culmina no suicídio de Phoebe.

O caso provocou comoção em todo o país, levando a algumas mudanças na legislação, questionamentos sobre o papel das autoridades e, principalmente, o lugar da escola (alunos, professores, dirigentes...) nos casos de bullying.

Gostaria de ressaltar uma coisa. Na instituição onde trabalho, desenvolvemos oficinas onde os frequentadores (crianças e adolescentes) tem a oportunidade de trabalhar com temas dos quais possuem maior interesse, assim já desenvolvemos atividades voltadas ao tema gravidez, aborto, contos de fadas, sexualidade, vícios, famílias, entre outros. Para se chegar a um tema em comum, é realizado um encontro onde podem discutir e trocar interesses e, num desses encontros foi sugerido por um dos educadores o tema bullying. Para nossa surpresa o tema foi rejeitado por todos, sob o argumento de que a escola já está falando disto. Mas, onde está a surpresa? Afinal, o bullying é uma nova palavra para designar algo que já acontece no ambiente escolar há muito tempo. Nada melhor do que a escola para tratar dos problemas vivenciados na escola! A expressão que os jovens usaram para dizer que o tema já vem sendo dito foi: "a gente não aguenta mais falar disso!", "é todo mundo que vem falar com a gente, psicólogos, professores, policiais, diretores...", "são filmes, palestras, discussões...".

Interessante o fato de que a escola parece não reconhecer seus limites, ou dito de outra forma, a escola acaba sendo também um agente no circuito que a violência assume neste ambiente. Ouvir os adolescentes dizerem que estão de saco cheio do tema bullying, soa também como uma violência. O tema é tratado sob o formato das aulas, onde aquele que sabe passa seu conhecimento para os que não sabem. E todos sabemos que este formato já há muito está batido! Ou nunca ouviram falar de Educação Bancária?! onde os meros alunos são depositários do saber?!... Pouco se faz quando o assunto é discussão, especialmente nas escolas. Vemos que este tipo de postura vem acontecendo, claro! Mas, de fato está a escola preparada, ou aberta a ouvir o que o jovem traz??? Ela reconhece a demanda de seus alunos, ou o velho discurso de "não sabem o que querem" ainda é válido? Acompanhando a indignição dos nossos atendidos, percebemos que agora são duas. Não aguentam mais a violência na escola e não aguentam mais a escola falando de violência!

Isso só reforça aquilo que o sociólogo Erving Goffman já havia dito sob o caráter das instituições totais, como um local onde um grande número de indivíduos, separados da sociedade por um considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada por outros. Estas instituições possuem o caráter de causar, através deste jogo de poder e repressão, o que Goffman chamou de mortificação do eu

Instituições como presídios, manicômios, hospitais e também as escolas acabam por produzir aquilo que deveriam combater.

Goffman, E. (1987). Manicômios, prisões e conventos. 2ª ed. São Paulo: Perspectiva.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Mais sobre Gordos

Sugeri o filme Gordos hoje. A pessoa em questão pretende fazer do tema beleza sua monografia. Indiquei por dois motivos: 1) o filme trata a obesidade de uma forma muito mais ampla, mas que, de certa forma, é muito mais particular para cada um. Assim, o filme pode ajudar a pensar no padrão de beleza em tempos modernos. Pode estabelecer uma norma, mas não necessariamente, torna-se regra. Agora, fala do narcisismo!!!! Sugestão para leitura: "O narcisismo: uma introdução" Volume XIV; "Conferência XXVI - A teoria da libido e o narcisimo" Volume XVI e; "O futuro de uma ilusão" Volume XXI; todos os textos são do Freud (tem um post no blog com as Obras Completas); 2) Como sei que a pessoa para qual eu indiquei o filme é analista, ora, a obesidade sob o ponto de vista estético é questão justamente para o terapeuta. Como seus pacientes tomam a circunferência de suas cinturas de um outro lugar, as sessões vão tornando-se possível. Ressalto que o filme não tem uma preocupação psicanalítica, é uma comédia! Mas, os discursos podem ser ditos para o analista a partir daquilo que este autoriza seus pacientes a falarem. Não é à toa que Lacan dizia que os analisandos podiam se tornar analistas... 

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Gordos

Inicia-se a sessão de terapia em grupo com 10 participantes mais o terapeuta, relatando que o objetivo não é tratar pessoas que querem perder peso, mas sim buscar as causas da obesidade, não haverá nenhuma dieta, não haverá o estabelecimento de objetivos, pois isso traria outras frustrações, cada um deverá encontrar seu próprio caminho ao seu próprio rítmo, devem criar um projeto onde vão ajudar uns aos outros, fazendo perguntas mútuas e que para isso devem buscar as respostas dentro de si, para tanto devem desnudar-se...literalmente! Esta sessão termina com 4 participantes, incluindo o terapeuta.

É assim que o filme Gordos, com direção do espanhol Daniel Sánchez Arévalo, propõe um tratamento não apenas para a obesidade, mas também para a saúde, o sexo, as fobias, obsessões, a culpa, o desejo, os clichês...
Vamos aos protagonistas:  Enrique é ex-apresentador de um programa para tratar da obesidade, mas que ao engordar quebra o contrato perdendo seu emprego, é homossexual mas decide manter um relacionamento com a mulher de seu ex-sócio, acreditando ser um heterossexual reprimido; Andres trabalha na polícia científica, todos seus familiares morreram aos 50 anos devido aos problemas causados pela obesidade, Andres está com 49 anos; Leonor é engenheira de telecomunicações, trabalha em casa, seu namorado também engenheiro, com quem está junto há 12 anos, iam para a academia, comiam comidas saudáveis, está há 5 meses nos Estados Unidos para fazer um trabalho por um ano, se falam todo dia e ele não sabe do "atual" estado de Leonor; há também Sofia, que passa a fazer parte do grupo terapêutico, trabalhava vendendo perfumes num shopping, atualmente trabalha no telemarketing de uma multinacional, mas por alguma razão passa a se sentir desconfortável, junto com seu noivo levam uma vida religiosa, porém estão ansiosos para transarem... se Deus não fosse onipresente, onisciente...

Isto é apenas o começo, o filme acaba envolvendo todos os integantes não apenas em suas próprias angústias e obsessões, mas vai também criando contradições, estabelecendo possibilidades, permitindo viverem, nem que seja na mediocridade de suas frustrações. Impossível não se identificar com um personagem ou uma situação que seja, afinal, não é a vida repleta de excessos e carências?!

Christine, meu objeto fálico


"There's a killer on the road
His brain is squirming like a toad"
(The Doors - p.482)


Um amigo acaba de comprar um carro. Seu comentário meses atrás era o seguinte: "não tenho namorada porque estou sem carro!". Recentemente, terminei de ler Christine, de Stephen King, o livro conta a trajetória de Arnie Cunninghan e sua mais recente aquisição, Christine, um Plymouth Fury 1958, vermelho e branco. Bom, as associações são inevitáveis, então vamos a elas.

Para quem conhece King, sabe que este livro é um dos melhores. Dennis e Arnie são amigos desde a infância, na pele de Dennis temos o típico garoto popular, atraente, atleta que namora uma líder de torcida, por outro lado Arnie encarna o papel oposto, é o nerd-saco-de-pancadas, tímido e desajeitado, que usa óculos fundo de garrafa e tem espinhas. Já no início da história Arnie compra um carro todo arrebentado de um velho (Roland Le Bay), ou seja, a ilustríssima Christine. Ao passo que Christine vai sendo restaurada, Arnie também vai mudando, seja em sua aparência física quanto à sua personalidade. Não dá para falar de King sem falar de mortes, aparições, e um pretensioso mistério em saber como o livro vai terminar...

Arnie arruma uma namorada, a belíssima Leigh Cabot, assim como meu amigo, que é bem provável que também esteja, logo mais, desfilando com uma garota. Deixemos o sobrenatural para os livros de King, mas tanto para meu amigo quanto para Arnie o carro significa um algo a mais. Já virou jargão dizer que o carro é um objeto fálico, mas o que isto quer dizer? Sem tentar entrar em psicologismos, poderia dizer que o carro cumpre algumas funções para as pessoas e por isso, acaba assumindo um lugar. Já ouvi que ter um carro é como sustentar uma família, devido às suas despesas, mas também já ouvi que o carro sustenta um privilégio. Quanto mais expansivo é seu valor no mercado, maior seria seu poder de atração, ou vão dizer que nunca olharam para a Mercedes alheia parada no farol... Se seu valor atrai olhares talvez seja pelo fato de que existe um discurso por trás do carro. Para Arnie, sua obsessão em desejar Christine casa com o desejo de Christine ser desejada, ai de quem ficar no caminho. Para meu amigo, ter um carro o autoriza a desejar. Munido desta assertiva, agora torna-se sedutor, não porque o carro vai emagrecê-lo, ou fazer suas espinhas sumirem, assim como fez com Arnie, mas porque seu discurso sobre o carro pressupõe mudanças. Independente do carro e seu contrato com o meio social, o que importa na verdade, é seu contrato com o proprietário. Explico: alguém pode ter um Porshe e ser o sujeito mais desiludido da Terra, ao contrário, um modesto carro pode fazer milagres se este ocupar um considerável lugar para seu portador. Tanto Arnie quanto meu amigo sabiam disso. O carro para eles não satisfaz o desejo, mas os autoriza a procurá-lo.

Anotei a seguinte frase em uma aula: "escolha bem o que vai amar, porque é aquilo que vai te matar". Será que se matássemos Christine, Arnie também morreria? Ou, se me permitem uma questão menos mórbida, se meu amigo vendesse seu carro, ele ainda se casaria? 

Link do livro (em pdf): http://www.megaupload.com/?d=AK7G9XLT

Nostalgia...



Vi um vídeo sobre os brinquedos Estrela numa aula. Impossível não compartilhar este comercial dos anos 80. Hoje os pôneis são malditos!

A origem da monogamia

"Porque elas jogam o cabelo, vai descendo até o chão
Então vem se empinando tudo, esse é o ritmo dos irmãos.
Ela dá pra nóis que nóis é patrão, ela dá pra nóis que nóis é patrão,
Ela dá pra nóis que nóis é patrão, olha o ritmo..."
(Uh papai chegou - Mr Catra)




Engels (1884) no livro A origem da família, da propriedade privada e do Estado, afirma que as relações monogamicas não aparecem na história como uma forma de reconciliação entre o homem e a mulher, ou ainda, como a forma mais elevada de matrimônio, mas a saber, surge sob a forma de escravização de um sexo pelo outro, como proclamação de conflitos entre os sexos, ignorados na pré-história. Este tipo de aliança foi a primeira forma de família que não se baseava em condições naturais, mas econômicas, mais especificamente, no triunfo da propriedade privada sobre a propriedade comum primitiva. Os gregos, por exemplo, anunciavam abertamente que os únicos objetivos da monogamia eram a preponderância do homem na família e a procriação de filhos que só pudessem ser seus para herdar dele.
Num manuscrito redigido por Engels e Marx (1846) encontra-se a seguinte frase: "A primeira divisão de trabalho é a que se fez entre o homem e a mulher para a procriação dos filhos.", acrescenta-se a isso a primeira forma de opressão de classes, com a opressão do sexo feminino pelo masculino. Até mesmo a antiga liberdade sexual só era proveitosa para os homens, o heterismo, ou as relações extraconjugais dos homens com mulheres não casadas, embora fosse na Grécia Antiga não apenas tolerado, mas praticado livremente pelas classes dominantes, era condenado, contudo somente em palavras. Essa reprovação, na realidade, nunca era dirigida contra os homens que a praticavam e sim, somente contra as mulheres, desprezadas e repudiadas.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Saló ou os 120 dias de Sodoma (Pasolini)


Sugestão de leitura: Kant com Sade, do Lacan, incluído nos Escritos.

Memórias de um doente dos nervos (Schreber)

"Considerando que tomei a decisão de, em um futuro próximo, solicitar minha
saída do sanatório para voltar a viver entre pessoas civilizadas e na comunhão do lar
com minha esposa, torna-se necessário fornecer às pessoas que vão constituir meu
círculo de relações ao menos uma noção aproximada de minhas concepções religiosas,
para que elas possam, se não compreender plenamente as aparentes estranhezas de
minha conduta, ter ao menos uma idéia da necessidade que me impõe tais estranhezas
."
  
            


           

          No anexo da carta datada de 29 de agosto de 1894, conhecida como “Rascunho H” Freud escreve à Fliess sobre algumas considerações acerca da paranóia. Relata ao amigo que as idéias delirantes estão ao lado das idéias obsessivas como distúrbios intelectuais, assim sendo, se as idéias obsessivas estão ligadas a um conflito, logo as idéias delirantes devem possuir a mesma validade. Freud fala nesta carta da paranóia como um “modo patológico de defesa” assim como a histeria e a neurose obsessiva. Sustenta que “o propósito da paranóia é rechaçar uma idéia que é incompatível com o ego, projetando seu conteúdo no mundo externo” (Freud, “Carta 21”, 1894).
            Não é à toa que tanto Freud quanto Lacan abordam o livro de Schreber quando o assunto é psicose. A descrição de Schreber sobre os acontecimentos ocorridos com seu corpo, com sua integridade, são impressionantes. Quando pensamos em delírio, temos a ideia de algo desorganizado, desestruturado, mas ao ler o livro de Schreber vemos que essa concepção é a primeira a ser quebrada. Numa cadeia discursiva envolvente, o autor vai nos esclarecendo qual é sua real missão para com a humanidade, não apenas a sobrevivência das almas humanas e a ordem das coisas e do mundo estão em jogo, mas também toda a verdade sobre a natureza e a existência de Deus. Segundo as palavras do próprio Schreber, "'o que acontecerá com esta maldita história?' e 'O que será de mim?'... assim soam as perguntas que há anos são faladas dentro da minha cabeça, numa repetição sem fim..."    

A origem da famíla, da propriedade privada e do estado (Engels)



Paradoxo?

A doença do nosso tempo

Compartilhando um parêntese do Calligaris na coluna da Folha de hoje (18/08/2011) comentando o filme "Melancolia", de Lars von Trier.

"Parêntese: vários comentadores declaram que se trata de um filme sobre o mal de hoje, a depressão, só que esta não é a doença do nosso tempo, e sim, sobretudo, uma doença que nosso tempo gosta de diagnosticar porque acha que encontrou a pílula certa para curá-la."

Para quem quiser ler o texto todo: http://sergyovitro.blogspot.com/search/label/CONTARDO%20CALLIGARIS

A era dos videogames (ep. 1)

Cartas a um jovem terapeuta (Contardo Calligaris)

Aos futuros analistas:

Como trabalha um psicanalista? (J.-D. Nasio)

Destaco neste livro o Capítulo VI (A contratransferência e o lugar do analista, p. 120) para levantar a seguinte questão: qual é o desejo do analista?
Sabe-se que o emprego do termo desejo na psicanálise assume um outro contexto, não é algo da ordem do experimentado, pois justamente onde se atinge o desejo percebe-se que o desejado não está mais lá. Quando pensamos no que o analista deseja, poderíamos elocubrar para o fim da análise, ou o alívio dos sintomas de seu paciente, ou talvez o valor das sessões... Contudo deve indicar um lugar, exponencialmente estruturado na relação analítica. Penso que, se o analista deseja algo com relação à minha análise, estaria ainda fazendo análise?

A invenção da psicanálise (1997, dir. Elizabeth Kapnist e Elizabeth Roudinesco)

Freud além da alma (1962, dir. John Huston)


A psicanálise dos contos de fadas (Bruno Bettelheim)

Uma coisa é ver o que a Disney fez com o conto da Chapeuzinho Vermelho, outra coisa é ver este mesmo conto despido (assim como a Chapeuzinho hehehe) através do olhar da psicanálise.

Link: http://w15.easy-share.com/1699813646.html

Lacan - Seminários, Escritos...

Lacan cria em 1964 um forma de estudos denominada de cartel. Em 1980 oferece algumas indicações de seu funcionamento baseando-se em 5 indicações:
  • são quatro os membros que se escolhem e que, partindo de seu trabalho, devem chegar a um produto;
  • esses quatro reúnem-se em torno de um mais-um  (líder ou mestre), que por sua vez, deve velar pelos efeitos internos do cartel assim como provocar sua elaboração;
  • deve haver permutação (um caso particular de arranjo, onde os elementos formarão agrupamentos que se diferenciarão somente pela ordem);
  • os resultados e as crises do cartel devem ser expostos a céu aberto;
  • o sorteio é sugerido como forma de se asseguar a renovação;
Quando participava de um cartel lacaniano acrescentávamos uma outra regra:
  • ler os textos sem ficar "voltando" para àquilo que não entendíamos; Assim, partia-se do efeito de provocare do texto para construir um saber dentro da teoria lacaniana.

Freud - Obras Completas

Imagina o que esse divã já ouviu...!

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Rio



"Ô, ô, ô, ô, ô, ariá, raiô
Obá, obá, obá
(Mas que nada - Jorge Ben Jor)



Quando assisti ao filme Rio, de Carlos Saldanha, havia na sala um grupo de crianças entre 7 e 12 anos. O que me chamou a atenção é que esta já era a enésima vez em que assistiam ao filme, porém fizeram o esforço de assistir mais uma vez.
Outro ponto que chamou a atenção foi o fato de que as crianças repetiam as falas do filme, entretanto, apenas a parte inicial do filme, para ser mais exato até a parte em que  Blu viaja até o Rio de Janeiro. Ou todas as vezes em que as crianças assistiram ao filme foi apenas a parte inicial, ou isso diz alguma coisa.
Para facilitar vou dividir o filme em três momentos: a vida do Blu em Minnesota; suas aventuras acorrentado com Jade no Rio e; a resolução do filme.
  • Quando Túlio (ornitólogo) se depara com Blu nos Estados Unidos, percebe uma coisa: Blu é domesticado demais e por isso não é capaz de voar. Sua relação com Linda (sua cuidadora) cumpre com aquilo que foi dito quando ela o achou numa caixa ainda filhote, ou seja, de que iria tomar conta dele. Este cuidar é algo muito próximo do que uma mãe pode fazer por seu filho, não é à toa que as crianças se identificaram tanto com Blu neste momento, pois revela suas relações familiares, independente da atual situação. Como estamos falando de desejos, o fato de reproduzir as falas do Blu no momento mais “domesticado” de sua vida, nos diz sobre a semelhança com que tentamos “domesticar”, ou se preferir podem usar o termo “educar”, nossas crianças. Claro que o termo educar pode ser empregado num sentido muito mais amplo e profundo, porém chamo a atenção para os meios educativos em que a maior parte das crianças vivenciam: modelo educacional familiar com os pais saindo cedo para trabalhar; modelo educacional escolar, em que além de todas as questões que envolvem a escola, podemos aumentar o novo termo bullying; modelo educacional livre, se me permitem o trocadilho, onde temos as informações oferecidas pelas diferentes mídias, amigos e outros grupos. Quando Blu vai tomar seu chocolate com biscoitos é caçoado por duas outras aves do lado de fora da loja, por ser um nerd filhinho da mamãe, como se isto negasse àquilo que ele realmente é. Se em algum momento da história aqueles que se dedicaram ao estudo não foram alvos de chacotas alheias, que se pronunciem, por favor. O descolado sempre foi o bagunceiro, a turma do fundão. Quando é questionado sobre voar, que seria algo da ordem do natural, Blu recorre aos meios humanos (livros, semelhança com o avião) para se ter sucesso. Seu fracasso em voar poderia ser superado numa série de tentativas e erros? Ou Blu estaria fadado a sempre fracassar por negar sua natureza? Falando sobre o infantil, como essas questões ficariam? Voar é a mesma metáfora em que usamos na frase “voar livremente”. Uma vez convencida sobre a função de seu pássaro como último macho da espécie em gerar descendentes, Linda decide levar Blu ao Rio para conhecer a também última fêmea da espécie. Ao chegar no Rio, Blu conhece dois pássaros com quem trocam uma rápida conversa, decidem tirá-lo da gaiola em que estava para conhecer a garota, mas Blu se nega a deixar o conforto do aprisionamento. Não é preciso ir atrás de comida, não é preciso voar, muitos confortos são oferecidos a um simples chamado, acompanhamos muitas das crianças confortáveis em seguir aquilo que são ordenadas a desempenhar, mas isto pode ser uma breve fase da vida, ou não... Não é à toa que esta primeira fase se passa no gelado inverno americano.
  • Quando Blu conhece Jade, podemos iniciar uma outra fase na história. Caso continuassem na mesma trajetória o filme terminaria com Blu e Jade transando para perpetuar a espécie, vemos que essa condição não garante um encontro. Porém o filme sofre significativas mudanças, o calor do Rio de Janeiro, em especial antecedendo o carnaval; o aumento da gaiola, que antes era uma pequena loja de livros, agora é uma tentativa de reprodução de seu habitat natural, a floresta e as ruas (e becos) do Rio. Mais uma vez Blu está preso, mas desta vez acorrentado à Jade. Ambos têm algo a ensinar a partir daquilo que faz parte de suas vivências e experiências de vida. Mas algo os impede de um relacionamento, novamente a metáfora do “voar livremente” se faz valer. Mesmo que Jade possa voar, acorrentada a Blu, não tem forças suficiente para voar pelos dois.  Ao experimentar a sensação de voar (de carona em uma asa-delta), Blu arrisca uma outra tentativa, novamente sua prisão o restringe. Acorrentados só podem ver-se por um único ponto de vista, ou seja, o da corrente. Nessa parte as crianças que assistiam ao filme se calaram. Estariam elas ainda presas à situação anterior de Blu ou, presas a um outro cuidador e provedor de suas necessidades? Desconhecendo a aventura de Blu em terras estranhas, só podem acompanhar e torcer para que haja um final feliz. Qual seria a corrente que nos prende e nos impede de voar?! A solução para este enigma não é tão simples assim, nem mesmo Sófocles deixou barato para Édipo que solucionou o enigma da Esfinge. Corremos o risco de uma vez livres ainda não sabermos voar, ou a partir deste momento cada um deverá seguir seu próprio caminho... Livre de prisões ainda não garante o voar.
  • No filme, o momento crucial da história que vai garantir seu desfecho se dá assim que a corrente que prendia Blu e Jade é solta. Ambos reconhecem que suas diferenças os impossibilitavam de terem um outro tipo de relacionamento. Da mesma forma, se sentem as pessoas que deixaram um emprego de muitos anos, ou um casamento. É preciso reconhecer o desejo, ou melhor, reconhecer-se como sujeito desejante. Aquilo que nos acorrenta, nos dita o que devemos desejar, assume-se, invariavelmente, como nossa própria voz. Estamos cheios de exemplos na vida moderna de possíveis correntes para nossos desejos, basta apertar um botão, ir às compras, submeter-se ao desejo do outro. Não estou levantando a hipótese de que tudo isso seja ruim. Não estou aqui para qualificar os desejos. Mas, voltando ao filme, Rio segue a máxima hollywoodiana, ou seja, apresenta um final feliz. Torna-se possível “o” encontro entre Blu e Jade. Bom, há quem diga que Blu continua preso...