segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

O melhor vídeo que assisti em 2013

Três horas de terapia podem proteger adolescentes de transtornos mentais


Por Cristiano Nabuco
 
Duas sessões de 1h30min (apenas) foram associadas com uma diminuição de 33% de desenvolvimento de transtornos mentais em adolescentes. Isso é o que conclui uma investigação multicêntrica conduzida entre parcerias de universidades do Canadá e da Europa.

Realizada na área metropolitana de Londres, dados apontaram que esse tipo de intervenção ajudou a diminuir problemas como a depressão e ansiedade (com uma redução de até 26%), bem como problemas ligados a comportamentos agressivos e impulsivos nos adolescentes (com uma diminuição de até 36%).

Feitas em grupo, as intervenções também contatam com a presença do professor, que os ajudou a identificar os gatilhos situacionais, capacitando-os assim a continuar lidando com os problemas que apareciam de forma construtiva.

E a investigação não parou por aí. A cada seis meses, os alunos ainda faziam testes para o acompanhamento dos resultados e, além da diminuição da depressão, ansiedade, transtornos do pânico, e problemas de interação social, os riscos de pensamentos suicidas também decaíram sensivelmente naqueles que foram identificados inicialmente.

Perceba então que pequenas intervenções como essas podem, na verdade, ter grande impacto na saúde mental dos nossos pequenos e isso poderia ser adotado como um modelo a ser implementado em muitos ambientes escolares.

Raciocine comigo: se uma intervenção em grupo e com apenas 3 horas de duração fez um efeito desse, imagine então uma boa psicoterapia individual, o que não poderá fazer por seu filho ou mesmo por você?… Pense nisso!

quinta-feira, 14 de novembro de 2013

O Mundo de Charlie Brown


Recentemente, li um texto que descreve o "Mundo de Minduim" (Umberto Eco, 1976). Tive muitos heróis ao longo da infância, porém poucos foram tão significativos quanto os personagens criados por Charles M. Schulz. Ao ponto de parar o que estava fazendo para assistir as peripécias de Charlie Brown e seus amigos. Agora entendo o porquê.

Desde que o mundo é mundo, as artes puderam prosperar no âmbito de um sistema que permitisse ao artista certa margem de autonomia em troca de uma dose de condescendência para com os valores estabelecidos. É no interior desses vários circuitos de produção e consumo, que se vê agir artistas que, usando oportunidades concedidas a todos os demais, conseguem mudar profundamente o modo de sentir dos seus consumidores, desenvolvendo dentro do próprio sistema do qual é parte, uma função crítica e liberatória (Eco, 1976:283).

Originalmente publicado numa tira de um jornal estadunidense na década de 50, foi através da migração de Snoopy e a Turma do Minduim (Peanuts) para a TV que me deu a oportunidade de acompanhá-los. O formato em quadrinhos, narrava histórias que geralmente se encerram em quatro quadros, durante seu auge foi publicado em mais de 2000 jornais, em mais de 70 países. Com o advento e a popularização da TV, vários personagens dos quadrinhos foram contar suas aventuras nas ondas eletromagnéticas. A turma do Charlie Brown ganhou movimentos e vozes próprias, histórias mais longas e uma programação específica para esta mídia.

Por aqui o personagem que mais se popularizou foi Snoopy. Durante a fase escolar era comum ver o pequeno beagle em capas de cadernos, agendas, lancheiras, mochilas, borrachas, camisetas, e muitos outros produtos. Depois do desenho animado especial de Natal (A Charlie Brown Christmas), reproduzido pela primeira vez em 1965, os personagens de Schulz finalmente ganharam a  indústria cultural.

A popularização de Snoopy por aqui se deve à identificação, justamente com o personagem que não quer ser quem é. "Antístrofe contínua às angústias dos humanos, o calado cão Snoopy leva até a última fronteira metafísica as neuroses decorrentes de uma frustrada adaptação", (Eco, 1976:290). Ouvi uma anedota uma vez que dizia (mais ou menos) o seguinte: o argentino pensa que é europeu, e o brasileiro pensa que é o quê? Aquilo que se chamou de miscigenação escamoteou a identidade cultural de um povo, que muitas vezes precisa romper o silêncio de uma verdade constituída para poucos, para assumir ser o que acredita que é. Snoopy sabe que é um cachorro, ontem era um cachorro e amanhã talvez ainda continue sendo um cachorro, para ele na dialética otimista da sociedade opulenta, que consente saltos de um status para outro, não há nenhuma esperança de promoção. Por vezes, tenta o extremo recurso da humildade. Durante alguns episódios consegue roubar o beijo de uma garota, Lucy, por exemplo. Quando tem sucesso a autoconfiante Lucy coloca-o no seu devido lugar: "Arghhhh! Fui beijada por um cachoooorrrooo!". Idiossincrático que é, noite após noite teima em dormir no telhado de sua casinha de cachorro, raras vezes dentro, sendo assim, raras às vezes assume dormir na casinha de cachorro por ser um cachorro. Não se aceita a si mesmo e procura ser o que não é, personalidade dissociada como nunca se viu igual, uma vez imaginou ser o Barão Vermelho e sua casa era a aeronave. Tenta todos os caminhos da mistificação, para depois render-se à realidade, por preguiça, fome, sono, timidez, claustrofobia, negligência... É refém de um apartheid contínuo, sentir-se-á tranquilizado, mas nunca feliz.

Snoopy é o cachorro de Charlie Brown (Minduim) e com isso vamos aos outros personagens. Lucy, Patty Pimentinha, Marcie, Violeta, Linus, Schroeder, Pig Pen, a garotinha ruiva, a enigmática professora e seus Blá-blá-blás... Vivem ocupados com seus jogos e seus discursos. Nesse esquema básico, apresenta-se um fluxo contínuo de variações, segundo um ritmo peculiar a certas epopeias primitivas, ao ponto de sempre identificar o protagonista pelo seu nome e sobrenome, como um herói epônimo (personalidade lendária que empresta seu nome a alguma outra coisa). Para Eco (1976:286), a força dessa poesia ininterrupta, não pode ser descoberta lendo ou assistindo apenas uma ou duas ou oito histórias, mas só depois de haver entrado a fundo nos caracteres e situações, uma vez que a graça, a ternura ou o riso nascem da repetição, requerendo do espectador um ato contínuo e fiel de simpatia.

Nesta turma encontramos todos os problemas, todas as angústias dos adultos que estão por trás dos bastidores. As crianças de Schulz são as monstruosas reduções infantis de todas as neuroses de um moderno cidadão da civilização industrial (Eco, id.). Tocam-nos de perto, pois nos damos conta de que, se são crianças-monstros, é porque nós, adultos, as fizemos assim. Tem de tudo, Freud, a massificação, a luta frustrada pelo êxito, a busca de simpatias, de reconhecimento, a solidão, a reação imprudente, a aquiescência passiva e o protesto neurótico. No entanto, todos esses elementos não florescem tal qual os conhecemos, são pensados e reditos depois de terem passado pelo filtro da inocência. Se os problemas são vividos pelas crianças, só o são de acordo com uma psicologia infantil, e justamente por isso dão um ar tocante e sem esperança, como se de repente reconhecêssemos que os nossos males chegaram às raízes.


No centro da trama, temos Charlie Brown, ou Minduim, ingênuo, cabeçudo, sempre inábil e voltado ao insucesso (Eco, 1976:287). Reconhecemos em Charlie Brown a necessidade de comunicação e popularidade, porém o que recebe em troca, das meninas matriarcais e sabichonas que o rodeiam, o desprezo, as alusões à sua cara de lua cheia, as acusações de burrice, as pequenas maldades que machucam no íntimo. Charlie Brown, impávido procura afirmação e ao mesmo tempo, certa dose de ternura em toda parte: no baseball, onde ocupa a posição de arremessador e sempre recebe a bola lançada com maior violência, na construção de pipas, nas relações com seu cachorro Snoopy, nos contatos de jogo com as meninas. Devido aos insucessos, sua solidão torna-se abissal, chegamos a pensar que Charlie Brown é inferior. Daí a tragédia! Charlie Brown não é inferior, é absolutamente normal. É como todos somos. Como busca a salvação de acordo com as fórmulas propostas pela sociedade, caminha à beira do colapso. Contudo, como o faz com absoluta pureza de coração, sem nenhuma malandragem, a sociedade está pronta a rejeitá-lo na figura de Lucy, segura de si, empresária de lucro certo (ou não se lembram de suas consultas psiquiátricas armadas em meio ao campo aberto?!).

Além de Lucy, temos ainda Patty Pimentinha e Marcie, perfeitamente integradas (por integradas, leia-se alienadas), que vão desde a atitude hipnótica diante da TV até os jogos infantis e discursos cotidianos, atingindo a paz através de uma insensibilidade super sensível. Linus, ao contrário de Charlie Brown, de dedo na boca e cobertor recostado na face aparenta estar onerado de todas as neuroses. Individuou em seu cobertor, resquício da primeira infância (ou como Winnicott preferiu chamar de objeto transicional), o símbolo de uma paz uterina e de uma felicidade puramente oral. Mas tirem-lhe o cobertor e ele recairá em todas as questões emocionais que o assediam. Enquanto Charlie Brown não consegue construir uma pipa que não se enrosque em meio às árvores, Linus, produto aguerrido de uma sociedade tecnológica, revela de repente habilidades dignas de ficção científica: constrói jogos de extremo equilíbrio, atinge uma moeda em vôo com a ponta de seu cobertor, e por aí vai. Schroeder, o músico da turma, encontra paz na religião estética, sentado em seu pianinho de araque, tira melodias de complexidade transcendental. Em sua admiração por Beethoven, salva-se das neuroses cotidianas, sublimando-as numa loucura artística. É alvo de admiração de Lucy.

Há ainda muitos outros personagens que poderíamos nos deter: Pig Pen e sua inseparável sujeira, o enigmático e abandonado Woodstock, melhor amigo de Snoopy, a irmã mais nova de Charlie Brown, Sally, e o próprio Schulz que em sua última tirinha publicada após sua morte em fevereiro de 2000, se despede dos fãs e dos personagens.


"Caros amigos,
             Eu tive a honra de desenhar Charlie Brown e seus amigos por quase 50 anos. Foi a realização de minha ambição de infância.
             Infelizmente, eu não tenho mais a capacidade de manter o ritmo necessário para uma tirinha diária. A minha família não deseja que Peanuts seja continuado por mais ninguém, portanto eu estou anunciando a minha aposentadoria.
             Eu sou muito agradecido por todos esses anos, pela lealdade de nossos editores e o apoio maravilhoso e amor expressado pelos fãs da tirinha.
             Charlie Brown, Snoopy, Linus, Lucy... como eu poderia esquecê-los..."
                               Charles Schulz
    
A redução de mitos adultos a mitos da infância, de acordo com Eco (1976:287), permite a Schulz uma recuperação. As crianças tornam-se capazes de canduras e genuinidades que recolocam tudo em questão, filtram as impurezas e restituem um mundo que continua, apesar de tudo, delicadíssimo. As histórias de Charlie Brown e Snoopy agradam à todos, fascinam de igual intensidade os grandes, os mais sofisticados e exigentes e as crianças, como se cada um encontrasse aí algo para si. O mundo de Charlie Brown é um microcosmo, uma pequena comédia humana para todos os gostos. 

Aos poucos, ou vai ver seja exatamente isso o que tanto me encanta nas histórias de Charlie Brown, percebo que apesar de todos os insucessos que acumulei(amos) ao longo da vida (e os que inevitavelmente ainda virão), assim como Charlie Brown, nunca pude(mos) chamá-los de fracasso.

Se quiser saber mais:
ECO. Umberto. Apocalípticos e integrados. Trad. de Pérola de Carvalho. Coleção Debates (19), dirigida por J. Guinsburb. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1976.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Gêneros de Lego versus Lego de Gêneros

Autêntica questão edípica do menino (0:40') extravasando via "Lego só para meninos".




Real tomada de conscientização da empresa ou mais um jogo de mercado?

Durante a infância e certas passagens para a adolescência tive a oportunidade de brincar com Legos, mas como eram brinquedos caros nunca tive um. Daí sobrava a oportunidade de montar coisas nos Legos dos amigos que, sempre se encontravam já desmontados, com poucas indicações do que aquelas peças originalmente, formariam. Ou seja, se o conjunto das peças formassem uma nave, um barco ou um parque eu pouco (ou nada) sabia, pois tinha à disposição as peças misturadas que poderiam formar um ultra cidade venusiana com defesas contra o maldoso povo de Marte.

A menção de conteúdos aparentemente ambíguos (naves, barcos, parques, defesas...) não é ao acaso. Dependendo do contexto pode assumir condições masculinas, mas também femininas. Ou porque tive uma infância repleta de modelos comercializados que dicotomizavam o gênero, ou ainda porque as questões que os sujeitos passam enfrentam essa dicotomização. Quando o menino do vídeo exibe para a mãe o que ele fez, sustenta uma certa fase, expressa através da exibição das produções das crianças (desde as produções fisiológicas até Legos), quer seja menino, menina, nenhum dos dois, ou ambos. Contudo, durante a fase edípica a exibição de algo para os pais vai apresentar diferenças, uma vez que , ou seja, há um homem para o qual a Lei não se aplica e, por sua vez as meninas tem que lidar com outras demandas já que , não há uma mulher sequer para a qual a Lei não vale (cf. A mulher não existe ou A pele que habito).

Teorias à parte, que haja modelos representativos da masculinidade: ótimo! uma vez que se encaixam em conflitos próprios do masculino, mesmo que sejamos politicamente corretos e não presenteamos nossos filhos com brinquedos que simulam armas, nada impede que a própria mão faça a vez do revólver e vamos continuar a brincar de polícia e ladrão; que tenham modelos específicos do feminino: bom também! já que a feminilidade envereda por outros caminhos. O fato de fechar o pacote numa questão de gêneros, limita não só o potencial do produto como também do sujeito em usufruir segundo sua criatividade/inspiração. E, nos prendemos nos aspectos culturais, mais especificamente nas produções em série do mercado que vende modelos prontos de consumo (veja o termo indústria cultural, por exemplo, isto é, a abrangência do saber humano ligado à atividade econômica com fins comerciais), modelos pré-definidos que ostentam o que venha a ser homem/masculino/heterossexual e mulher/feminino/também heterossexual. E as exceções?! Ficam limitadas ao anonimato, passando a impressão de que se o fazem às escondindas, trata-se de algo inapropriado.

Sinto que façamos dos brinquedos, banheiros. Ou homem, ou mulher. Abre espaço para discussões, mas sobra pouca oportunidade para experimentar, inovar, criar, errar, escolher, desejar...

quarta-feira, 22 de maio de 2013

Lá Universal

Um dia me disseram que aquele som que ouvimos quando se tira o telefone do gancho é a nota Lá Universal. Passei a afinar meu violão usando deste recurso - a quinta corda é a nota Lá. 

Por estes dias, conversava com algumas crianças sobre vampiros e uma delas sugeriu que os vampiros deveriam transformar todas as outras pessoas também em vampiros, assim todos teriam superpoderes, seriam iguais e com isso, não deveria mais haver preconceitos.

Ouvir isso de uma criança já é algo surpreendente. Saber que essa criança é alguém que já passou por muita coisa e sabe o que está dizendo, é mais surpreendente ainda. 

Ao menos a(s)cende a esperança de que os atuais filmes sobre vampiros, zumbis e cenários apocalípticos podem ganhar mais significações (pra não dizer, melhores) do que aquilo que trazem num primeiro momento.

Mas, pra chegar até aí vai ser preciso um certo esforço. Esforço que muitas vezes não se está disposto a fazer. Melhor ficar no repeteco parafrásico que a mídia insiste em sustentar. Romances sem desejos. Desejos sem romances.

Para que o sonho da criança seja possível, os vampiros precisam aceitar a ideia de que são vampiros. Não queremos com isso (garanto que a criança concordaria comigo), divulgar a selvageria inerente aos clássicos contos vampirescos. Porém, estes ao menos têm sido mais autênticos. O conceito de sociedade e cultura, já seriam suficientes para derrubar as brutalidades. Se não sustentá-las. A questão que se chega é a mercantilização dos desejos e o mal uso das exclusividades. 

Após fugir da horda de walkers sedentos por carne ou pelo último iphone, o Lá Universal seria o lugar em que se chega. Último refúgio de resistência humana. Vivendo com aquilo que é essencial para se viver, pois muito se perdeu ou se tornou obsoleto após o grande colapso.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Callas!

Uma pessoa colocou para tocar Maria Callas e me perguntou o que eu achava. Educadamente, respondi que achava bonito. Ela me disse que naquele momento da ópera falava-se sobre a morte da mãe do personagem. Ainda tive a decência de me sentir envergonhado.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O anticristo e o femicídio

"Onde está você? Seu bastardo!"



É a partir desta frase que quero começar algumas considerações sobre o filme Anticristo (2009), direção de Lars Von Trier.

A frase é dita num momento de ápice do filme quando a mulher procura o marido que se refugiou na floresta após ter sido acoplado por uma roda de cimento à perna. Para quem não assistiu ao filme a coisa aqui começa a ficar confusa. Assim sendo, vamos a um pouco de contexto (que faz parte de toda análise).

O filme é dividido em um Prólogo, quatro capítulos compostos por Grief (Sofrimento), Pain (Chaos reigns) (Dor [Caos reina]), Despair (Gynocide) (Desespero [Ginocídio]), The Three Beggars (Os Três Mendigos) e um Epílogo. Basicamente, o filme narra a história de um casal que vive o luto pela perda trágica do filho. O marido, terapeuta, usa de um método cognitivo-comportamental para ajudar a esposa a sair de um estado de depressão e ansiedade devido ao acidente com o filho, negando o tratamento médico baseado em substâncias químicas (e terminologias).

A "plástica" do filme, digamos assim (pois não sou um especialista em filmes para usar outro termo), é algo marcante. A construção das cenas, os cortes da câmera, a ambientação, os personagens e a expressão dos personagens, é magnífico. Por exemplo, o prólogo é composto de cortes de imagens em câmera lenta ao som de "Lascia ch'io pianga", do compositor Handel, que não à toa, canta, sob a voz de uma mulher, o desabafo de uma terrível desgraça. A sequência de imagens mescla o ato sexual de um casal, interpretados por Willen Dafoe e Charlotte Gainsbourg, com o fatídico acidente envolvendo uma criança que cai da janela do apartamento.

 
O Homem e a Mulher não possuem um nome específico, já o filho é chamado por Nick. Por isso usaremos a defnição com letra maiúscula para nos referirmos aos personagens, que vão compor, sozinhos, todo o filme. Mesmo na cena sobre o enterro do filho as demais pessoas tem a face desfocada, diferentemente do Homem e da Mulher.

Até aqui só oferecemos o que pode ser lido em tantas outras resenhas, daqui em diante é por sua conta e risco concordar ou discordar.

Voltemos então à frase dita no começo do texto: "Onde está você? Seu bastardo!". Sabemos que o termo bastardo pode se referir a um xingamento, diz respeito a uma pessoa não-digna, da mesma forma, bastardo é o filho de uma gravidez indesejada e que ocorreu fora do casamento, com outro homem. É justamente este ilegítimo o procurado. Ora, o nome do filme já diz muito: Anticristo, ou o Não-Cristo. O próprio Cristo é um filho bastardo. Não é filho de um pai, mas sim filho do Pai. Não é José, marido de Maria, o pai "biológico" da criança, mas sim Deus, Pai de todos. Também não me recordo a menção de uma Maria fazendo fila para que seu filho fosse o Salvador, este acontecimento é algo contra sua vontade, cabendo à mãe aceitá-lo ou não.

Os acontecimentos que antecedem esta procura também são dignos de nota. O luto "anormal" como é caracterizado pelo médico da Mulher, é oriundo da culpa por possuir um saber a mais do que o Homem. No filme, Ela sabia que o filho acordava no meio da noite e andava pela casa. Ele decide levá-la do hospital e, ao seu modo, tratá-la. Para Ele: "O luto não é uma doença, é uma reação natural, saudável", começa aqui uma relação entre terapeuta e paciente. Motivo, aliás, segundo Ela de que Ele possa vir a ter algum interesse nela. As intervenções dele é marcadamente sobre esta relação terapeuta-paciente. Ao deixarem o hospital, a imagem é direcionada e ampliada para um vaso de flor numa prateleira ao lado dos medicamentos. Único objeto vivo, além do Homem e da Mulher, presente em cena onde o foco nos direciona para a água do vaso, água que possibilita a vida da planta, água fonte de vida de todo ser vivo; detalhe: a água está suja.

Se aqui podemos dizer que o estado da água é sujo, através do uso de "está" ao invés de "é", trata-se de uma questão semântica. A água encontrada na natureza, em sua maior parte, não é potável, ao menos para os seres humanos, pois não se vê outros animais checando a qualidade da água antes de ingerí-la. Assim é que, a água não é suja em si, mas enquanto fonte de vida para o homem deve ser levada a um outro estado. A água também faz parte de um rito de iniciação, de purificação na religião através do batismo. Veja, um dos momentos mais difíceis para Ela é atravessar um riacho que separa a casa de campo da civilização. Uma outra possibilidade seria o enfoque para a sujeira a partir da relação terapêutica, uma vez que Lars vinha se recuperando de um quadro depressivo. Diz-se que esta depressão de Lars é fruto da revelação de sua mãe, no leito de morte, de que Lars não é filho do homem que sempre acreditou ser seu pai. Num momento do filme, Ele, ao negar a interpretação dos sonhos para a psicologia moderna ouve o dito d'Ela: "Freud está morto, não está?!", num sorriso sarcástico Ele responde: "Sim." Freud é considerado o pai da psicanálise. Haja terapai (erro de digitação com terapia)...



A casa de campo que mencionamos anteriormente é situada no Éden. Ela reclama ao marido o desinteresse deste nela e em Nick que, passaram o último verão, mãe e filho, no Éden sem o pai. Ela havia se refugiado no Éden para terminar sua tese que tratava sobre o "Gynocide". Ora, é este o título do terceiro capítulo, "Despair (Gynocide)", que numa possível tradução teríamos, "Desespero (Femicídio)". O termo "femicídio", ou "feminicídio", é usado para expressar a violência de gênero, contra a mulher, entretanto, existe a palavra na língua inglesa correspondente ao femicídio, "femicide". Lars usou "gynocide" e não "femicide", o sufixo -cidio é usado em palavras que correspondem à morte, ao extermínio, já o prefixo gino-, por sua vez, é usado como designativo de mulher, contudo, é mais comumente encontrado em terminologias que apontam para o órgão genital da mulher, como em exames ginecológicos, por exemplo.

O refúgio dela e do filho na floresta, é para onde se dirige com Ele. Segundo Ela é o local que mais lhe apavora, que na visão do Homem este medo deve ser enfrentado, e veja bem, não é qualquer floresta que lhe causa pavor, mas uma específica, o Éden. Justamente o lugar onde "a" mulher foi amaldiçoada. Se no início só havia Eva, não poderíamos usar o artigo indefinido "uma", para dizer que nos Jardins do Éden, uma mulher oferece a fruta do pecado a Adão. Foi a mulher. 

O problema com o artigo definido é a nossa questão central, mas vamos guardá-la para nosso desfecho. Até aqui vamos nos contentar com o fato de que, em companhia do filho, Ela descobre sobre a violência que a mulher vem sofrendo ao longo da história. É a partir de um saber da Mulher, assim como foi o saber de Eva sobre a maçã, que Ela se dá conta do lugar ocupado pela mulher... Vide, por exemplo, os casos da Inquisição em que mulheres foram levadas à fogueira acusadas de bruxaria. O Éden, sob o ponto de vista da mulher, não é paradisíaco, mas assustador. Constatação feita a partir da analogia que Ela faz com as sementes de carvalho que caem aos montes no Éden, porém sempre morrendo. A Mulher pode ouvir "o choro de tudo o que vai morrer", o que para o Homem não passa de uma metáfora, pois "sementes não choram", daí para Ela se transformar numa bruxa não foi preciso muito esforço...
 
O ato sexual entre o Homem e a Mulher vai mudando conforme o "andar da carruagem". No início era algo idílico que resultou na morte do filho - e todo ato sexual entre os pais não é a "morte" do filho, terceiro da relação edípica freudiana?, no decorrer do filme o ato sexual vai se desvinculando das fantasias, do ato de gozo, obtenção de prazer, e vai se transformando somente em ato sexual. Ele(a) já não transa mais com Ela(e), que agora é sua paciente. Momentos antes de fixar uma roda de concreto na perna dele, Ela acerta o pênis do marido com um pedaço de madeira, para, em seguida, masturbá-lo com o desfecho de um gozo de sangue.   



Liga-se o sexo ao anticristo, sendo o sexo enquanto obtenção de prazer, um pecado considerado pela Igreja, como pecado mortal. A mulher pagou um preço muito mais caro com relação ao homem, ou até mesmo com relação ao próprio sexo. O Cristo, por sua vez, passou por esta vida sem este pecado. Se, em seu nascimento, representação da vida, houve a visita dos três reis, ao anticristo, representação da morte, só cabe esperar a visita dos três mendigos, aqui incorporados na figura de um cervo, uma raposa e um corvo, segundo a ordem em que aparecem no filme. "Quando os três mendigos chegarem alguém tem que morrer."


O cervo traz preso em si um feto natimorto e é designado (vide as constelações) como o sofrimento. Na língua portuguesa, o termo "cervo" é masculino, a concepção de um feto é impossível no masculino, delegando ao feminino o ato de conceber. No inglês, língua original do filme, deer (cervo), fox (raposa) e crow (corvo) não possuem em sua terminologia o gênero masculino ou feminino como em "lion" (leão) e "lioness" (leoa), desta forma, podemos destacar que aquilo que se refere ao gênero, não está no nível lexical, mas deve ser inferido a partir do contexto. 


Por outro lado, a raposa, termo feminino, aparece devorando as próprias entranhas. Com o ventre infértil, de sua boca ouve-se um sonoro "caos reina". Já ao corvo, ou ao desespero, é deixado como um tipo de denúncia, uma vez desenterrado é o que entrega o Homem à Mulher quando esta o procura: "Onde está você? Seu bastardo!". Por outro lado, cumpre também uma função inversa, ironicamente o desespero revela tanto a prisão quanto a libertação.


Num exercício de role playing entre o Homem e a Mulher, sendo Ele a Natureza e Ela o Pensamento Lógico, nota-se aqui os papéis trocados daquilo que a representação popular considera como homem (lógico e racional) e mulher (emocional), a Natureza vem a ser considerada como algo externo, mas também interno ao sujeito, nas palavras da Mulher: "o tipo de natureza que faz as pessoas causarem mal às mulheres." Ao contrário do dito popular ou da crença religiosa, o bem e o mal, estão presentes em todos, da mesma forma o masculino e o feminino, indo além de uma análise gramatical. Para o filósofo Nietzsche (leitura indispensável de Lars) em Genealogia da Moral, os conceitos de "bom" e "mau" não passam de valores criados do homem para o homem. Nos Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade, Freud já considerava a criança como uma perversa polimorfa, uma vez que, as pulsões sexuais ainda não se encontram "erotizadas" ou devidamente canalizadas para um objeto específico, seja ele qual for.



Nietzsche dizia, em Assim falou Zaratustra, que "mano, tá fudido o homem quando a mulher odeia: porque, no fundo, o homem é simplesmente mau; mas a mulher é perversa". A Mulher passa a torturar o Homem, não mais vítima de um jogo terapêutico repleto de chavões e exercícios, ou de uma História carregada de dor e sofrimento, mas sim como sendo, simplesmente "a" mulher, autora do próprio gozo. Pois, é este o desfecho do filme e, consequentemente, de nossa análise. Na psicanálise lacaniana encontramos o argumento de que toda mulher está submetida à Lei, porém não-toda. Ao buscar o próprio gozo "na" mulher, enquanto classe, encontra o vazio (caos reina), pois este gozo não está lá. Fato que leva a Mulher a se automutilar, cortando o clítoris com uma tesoura, ao buscar um gozo no Outro, fora de suas fantasias. É o uso do artigo defnido "a" que leva a Mulher ao inevitável desfecho, ou como diria Lacan: "Ⱥ mulher não existe". 

Sinceramente, esperava que o final fosse outro, mas ora, o triunfo de "uma" mulher (agora com o uso do artigo indefinido) não está preso a um discurso épico, e sim, nas conquistas do dia-a-dia numa sociedade, predominantemente, machista. 

Agora, será que alguém pode me explicar o epílogo...?

domingo, 13 de janeiro de 2013

um pouco de história do rock (anos 70)


Em 1967 um outro grupo assumia seu próprio destino no mundo do rock. Enfiados nos envelhecidos estudios da EMI em Abbey Road, The Beatles lançava seu oitavo álbum, “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”. A gravação deste álbum foi uma total experiência psicodélica. Os estúdios da EMI estavam um tanto obsoletos até aquele momento, mas o que mais se faziam ali eram experiências, desde microfones dentro d’água, guitarras que produziam sons de piano, piano com sons de guitarra, e, drogas! um bocado delas... “Lucy in the Sky with Diamonds”, ouvia-se num refrão. Tempos antes, tínhamos um John Lennon dizendo que os Beatles eram mais populares do que Deus, fazendo com que a beatlemania não fosse muito bem recebida em alguns lugares por onde passaram. 



Outras bandas também fizeram parte deste cenário. A também britânica, Led Zeppelin, formada por Jimmy Page, John Bonham, John Paul Jones e Robert Plant, influenciaram com seu som pesado o que depois ficou conhecido como Heavy Metal e o Hard Rock e canções como “Whola Lotta Love”, “Moby Dick”, “Tangerine” nunca deixaram de ser atual. Isso sem mencionar “Black Dog”, “D’Yer Mak’er” e a eterna “Stairway to Heaven”.



A banda do vocalista Jim Morrison e do tecladista Ray Manzarek, The Doors, outra banda influenciada pelo blues e o jazz, teve seu início nos anos 60. O nome da banda veio de um livro de Aldous Huxley, chamado “The Doors of Perception”, que por sua vez detalha as experiências do autor com a mescalina (alucinógeno extraído do cacto peiote). Diferentemente das bandas de então, os The Doors não tinham um baixista nas atuações ao vivo. O que acontecia era que Manzarek fazia as sessões de baixo com a mão esquerda no Fender Rhodes Bass Keyboard, enquanto tocava as partes do teclado com a mão direita. O grupo ficou conhecido pelas excelentes canções como “Break on Though”, “Light My Fire”, “People Are Strange”, “The End”, “When the Music’s Over”, “Love Me Two Times” e muitas outras, além das inúmeras situações polêmicas de Morrison como o incidente ocorrido em março de 1969, em Miami, onde o vocalista, expõe a genitália para um auditório lotado.



Outra formação bombástica foi o grupo Creedence Clearwater Revival, que tocavam juntos desde 1959. O nome do grupo foi adotado em 1967 com a junção de um nome de um amigo de Tom Fogerty, Credence Nubal (o e a mais em Creedence sugere creed – crença), com Clearwater, uma marca de cerveja da época e, o Revival era ao fato da união entre os membros que tocavam juntos há muito tempo.



Nem só de bandas vivia os anos 60, ou só de homens... Janis Joplin, considerada a “Rainha do Rock”, foi, com certeza, a maior cantora de rock dos anos 60. Joplin era vocalista da Big Brother and the Holding Company e, depois acabou seguindo carreira solo. Fez de sua voz sua principal característica e diversas canções como “The Last Time”, “Intruder”, “Piece of My Heart”, além das famosas “Me and Bobby McGee” e "Mercedes Benz".



Em meio a grandes conflitos, muito mais políticos do que idealistas, o rock parecia se incorporar muito bem nessa onda refletindo numa onda contra a cultura vigente até o momento. A música teria que se envolver numa linha mais sombria frente à obscuridade de 1968 e 69. No Festival de Altamont, realizado pelos The Rolling Stones, em dezembro de 1969, no norte da Califórnia, as drogas em conjunto com as “bad trips” estavam destruindo o cenário hippie. Os Hells Angels contratados como seguranças, converteram o que seria um evento de paz e amor em um dos dias mais violentos da história do rock. Depois disso tudo se converteu em negócios. Era o fim de uma era. Aquele espírito livre dos dias anteriores morreu em Altamont. Lembrando que nem quatro meses antes, o Woodstock Music & Art Fair, realizado na fazenda de Max Yasgur, na cidade de Bethel, Estados Unidos, tinha levado artistas como Joan Baez, Grateful Dead, Creedence Clearwater Revival, Janis Joplin, The Who, e claro Jimi Hendrix que imortalizou (os mais conservadores ficaram chocados!) o hino estadunidense na guitarra distorcida.




Jim Morrison morto. Janis Joplin morta. The Beatles separado. Pouca coisa sobreviveria em meio ao tumulto. Pink Floyd foi um destes sobreviventes. Formada em Cabridge, em 1965, decidiu inovar no cenário do rock, não apenas com suas letras filosóficas, mas também com o uso uma certa teatralidade nos shows, sendo algo a mais do que quatro rapazes no palco. O nome Pink Floyd parece ter surgido a partir de uma abreviação de The Pink Floyd Sound, sugerido por Syd Barrett em homenagem aos músicos Pink Anderson e Floyd Council, ambos do blues. Pink Floyd acreditava que o rock não tinha fronteiras musicais e visuais, novos mundos foram criados enquanto o rock penetrava em território inexplorado. O livro de regras foi deixado para trás, em vez de algo como “aqui está a voz, aqui está o refrão, aqui está o solo” era como se não soubesse o que estava para acontecer. Seu primeiro single chamado “Arnold Layne”, falava de um travesti que roubava roupa íntima. “Oh, Arnold Layne. It’s not the same...”, compunha Barret, que mais tarde acabou sendo afastado do grupo devido a sua sanidade mental. Muitos acreditavam que anos de estrada e a vasta experiência com drogas afetou Barret, outros dirão que ninguém “normal” seria capaz de produzir músicas como “The Scarecrow”, “The Gnome”, “See Amily Play”e a caótica “Jugband Blues”.




O psicodélico nada mais era do que a expansão da mente, e nisso, Barrett e o Pink Floyd eram especialistas. Era o rock flertando com a excentricidade e com a loucura. Em “Interstellar Overdrive”, uma música instrumental, improvisada, longa, ambiental, podendo durar nos shows entre 10 ou minutos, já mostrava toda a potencialidade artística de Barret, que recusava a ideia de estar entre os “top ten”. Com o álbum “Meddle” e a música “Echoes” que tinha 23 minutos, o Pink Floyd, sofrendo com o afastamento de Barrett criava o épico cinematográfico que fazia o ouvinte, simplesmente, imergir. Daí para “Dark Side of the Moon” foi um pulo. Com suas letras sobre as pressões da vida moderna conectou com quase todo mundo que o escutou. Apesar dos temas sobre dinheiro e guerras, a loucura foi o tema principal de Dark Side. A “loucura” de Barrett continuava a ser influente no rock. 

 “...and if the band you’re in starts playing diferente tunes 
i’ll see you on the dark side of the moon” (Braid Damage) 

Do outro lado do Atlântico, em Nova Iorque, a banda The Velvet Underground, do cantor e compositor Lou Reed, também buscava explorar a música, transcendendo-a. Reed e o Velvet Underground transformaram os três acordes do rock em apenas um acorde, com o objetivo único de quebrar as regras. Usando o submundo de Nova Iorque, suas ruas ordinárias e o tráfico de drogas como inspiração para suas músicas, teve como empresário o visionário, Andy Warhol. A primeira apresentação do Velvet sob a tutela de Warhol ocorreu durante o jantar anual da Sociedade de Psiquiatria Clínica de Nova Iorque, que considerou a apresentação como um “tratamento de choque”. Ter Warhol como empresário rendeu ao grupo outras gentilezas, Reed podia escrever o que quisesse e ninguém se importava em mudar, a gravadora não suportava a música do Velvet e, em 1966, o grupo gravou seu primeiro álbum, em apenas dois dias. Além disso, o grupo fazia parte do circo de Warhol conhecido como “The Exploding Plastic Inevitable”, que projetava imagens de vários filmes sobre o grupo, convertendo num grande espetáculo multimídia.



Através do Pink Floyd a barreira entre arte e música foi derrubada. Com a ajuda do contexto social da época, além do uso de LSD e as luzes do Pink Floyd, o rock entra em sua fase psicodélica. E assim criou-se David Bowie/Ziggy Stardust e o “Starman”, Roxy Music, Genesis e por aí vai... 

Mas, em contrapartida com a teatralidade, nos anos 70 também tivemos The Clash, e o álbum “London Calling” com clássicos como “Train in Vain”, “Spanish Bombs” e “Revolution Rock”, além do Sex Pistols de Sid Vicious, com “Bodies”, “No Feelings” e “God Save the Queen”, todas do álbum Never Mind the Bollocks, tínhamos aqui algo diferente, algo mais Punk Rock. Se, por lá “God save the queen”, nos lados de cá havia Dead Kennedys e claro, Ramones.

 

um pouco de história do rock (anos 60)


Quase no final de 1966, uma figura desconhecida chega em Londres com apenas uma Fender Stratocaster e alguns poucos dólares no bolso. Jimi Hendrix iria por o mundo da música de cabeça para baixo.

Chamava a si mesmo de “Voodoo Child” e mudou completamente o jeito de se tocar guitarra levando o blues do Mississipi aos limites psicodélicos. Redefiniu o que era ser um guitarrista, o que era ser músico, o que era ser artista e redefiniu todo o período em que existiu. Tudo o que vinha acontecendo nos anos 60 podia ser ouvido nas músicas de Jimi Hendrix, o disparo contra Martin Luther King, as bombas explodindo no Vietnã e as experiências do LSD.



Eric Clapton e Jeff Beck, dois grandes guitarristas, ficaram maravilhados ao ouvir a pirotecnia guitarrística de Hendrix na noite de 24 de setembro de 1966. Dizia Bech: “o que ele fazia era tão natural, tão selvagem e desinibido que isso era o que queria fazer mesmo sendo britânico... simplesmente me vi ali pensando: ‘será melhor que eu busque outra coisa para fazer’”. Hendrix fazia coisas que os demais não podiam fazer, tocava a base de baixo com seu polegar, uma melodia com outro dedo e levava o ritmo com o resto dos dedos. Era um grupo de três pessoas tocando numa só guitarra. 

Influenciado pelo blues do Misssissipi, se criou em Seattle nos anos 50 e lhe deram sua primeira guitarra quando tinha 12 anos. Passou sua adolescência aprendendo o “twelve-par blues”, uma das mais populares progressões harmônicas do blues. Para evitar ser preso por conduzir um Cadillac roubado, decidiu unir-se ao exército. Nesta época fez suas experiências com os sons do rhythm & blues. Sua passagem pelo exército foi problemática e não durou muito e acabou encontrando trabalho como guitarrista tocando no Circuito Chitlin. Nada mais do que salas de espetáculos que se estenderam pelo leste e sul estadunidenses, criadas especialmente para os artistas negros durante a segregação racial dos Estados Unidos. Tudo começava quando os brancos iam dormir, então estas bandas apareciam e ofereciam shows incríveis. 

Hendrix passou quatro anos neste circuito tocando com diversas bandas, também tocou um tempo como acompanhante de Little Richard. “Quero fazer com a guitarra o que Richard faz com sua voz”, dizia. 

6000km dali, na Grã-Bretanha, o ritmo do Circuito Chitlin começava a ganhar novos adeptos. Os músicos britânicos, brancos, interpretavam esta música em formas que, por sua vez, seriam influências para Jimi Hendrix. Devido a ênfase na improvisação, isto acabou por desatar na criatividade dos jovens músicos que se formaram tocando blues. “Nos empenhamos a tocar juntos porque queríamos tocar R&B e Howlin’ Wolf era um de nossos ídolos”, declarava o jovem Brian Jones, que montou a banda de R&B, conhecida como The Rolling Stones.




The Rolling Stones, formado em 1962, tomou seu nome emprestado de um clássico de Muddy Waters. Naquela época ainda não possuíam músicas próprias e tudo o que faziam era tocar versões de blues. “Satisfaction” foi uma das suas primeiras grandes canções. Para o guitarrista Keith Richards, é basicamente um blues, só que com uma forma um pouco diferente. A ostentação sexual de “Satisfaction” marcou um novo caminho para a direção que a música tomaria daqui para a frente.

Este blues era agora (re)exportado para os Estados Unidos mas desta vez para um público maior do que aquele confinado nos circuitos. Em 1965, Jimi Hendrix deixa o Circuito Chitlin e se muda para Nova Iorque, acompanhado da influência dos Yardbirds com Jeff Beck e Eric Clapton que tocava com John Mayall e os Bluesbreakers.

Hendrix chegou a levar um álbum para uma discoteca no Harlem (conhecido bairro de Manhattan devido ao seu centro cultural afroamericano), pedindo ao DJ que botasse para tocar aquela nova música que era muito boa. Assim que o DJ colocou o disco para tocar as pessoas que estavam dançando, pararam, olharam para Hendrix que teve que sair rápido dali antes que o matassem. A música era esta:




A canção que definiria Dylan é “Like a Rolling Stone”, um hino que revolucionou a música. 

 “Once upon a time, you dressed so fine. You threw the bums a dime in your prime, didn’t you?

 O caráter da voz de Bob Dylan levou Hendrix a crer que podia cantar também. 

How does it fill? To be on your own. With no direction home. Like a complete unknown. Like a rolling stone.” 

Se uma voz tem caráter, então não importa se é ou não uma “bela voz”. Se tua voz soa sincera e transmite que crês no que canta, bom, então pode cantar rock ’n roll... O primeiro grupo que mais se pareceu com uma banda de rock, foram o The Who. Um grupo britânico, ruidoso e agressivo, que deram ao rock um perfil mais duro. Era como uma homenagem à total falta de eloquência da juventude rebelde da época. Mas já despontava a pergunta? “Contra o quê você se revolta?” 

The Who carimbaram completamente a forma de atuar no rock com sues escárnios e tendências destrutivas, além de mostrar o som a partir de três instrumentos básicos. Jimi Hendrix, por exemplo, tomou emprestado o estilo incendiário de atuação do The Who. 

Em 1966, quando Hendrix chega à Londres, que na época era a capital cultural. Tudo estava acontecendo ali, o cinema, a moda, a fotografia, e claro, a música. Um trio composto de três lendas do blues, o guitarrista Eric Clapton, o baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker, consideravma-se a “nata da elite”, o Cream. Importando o sentimento do blues, mas tocando uma outra coisa, improvisavam solos que pareciam não ter mais fim. 

Nesta época, Clapton era considerado um Deus da Guitarra, entretanto foi desafiado pelo recém-chegado Hendrix. Jimi Hendrix foi a um concerto do Cream e pediu para improvisar com Clapton. Colocou sua guitarra no amplificador de Bruce e tocou uma versão de “Killing floor”, um blues que Clapton sempre havia considerado que era demasiado difícil e que Hendrix tocava como se fosse nada, sem falar em todas as “acrobacias”, tocava guitarra por trás da cabeça, entre as pernas, com os dentes... Surgia ali The Jimi Hendrix Experience.