sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Frases soltas em psicanálise




A psicanálise é uma práxis, um método, e não uma prática que aplica uma teoria.

 
"Eu sou aquele que leu Freud", declara Lacan a Pierre Daix em 1966, por ocasião da publicação dos Escritos.

A psicanálise deve se inventar com as palavras e através dos acontecimentos históricos do momento em que é praticada. Assim, "quem não conseguir alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época" deverá renunciar a exercê-la. Conselho dado por Lacan ao futuro psicanalista. (Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise, in Escritos, trad. Vera Ribeiro, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1988, p. 322).

Segundo Lacan, não há diferença entre teoria e prática na psicanálise. Esta é uma práxis, um método. Daí a dificuldade de situá-la no meio dos conhecimentos existentes, pois não se encontra na psicanálise nem a aplicação prática de uma teoria nem um protocolo experimental reprodutível ao idêntico. Contudo, a cada vez em que se ocorre uma cura é uma aventura singular.

"A psicanálise é o tratamento que se espera de um psicanalista." (Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956, in Escritos, op. cit., p. 461).

"A arte do analista deve consistir em suspender as certezas do sujeito, até que se consumem suas últimas miragens. E é no discurso que se deve escandir a resolução delas." (Função e campo da fala..., in Escritos, op. cit., p. 253.

Do sintoma que é linguagem, o analista se faz decifrador.

A palavra é a morte da coisa, ou seja, é necessário que a coisa desapareça para que a palavra exista. A partir do momento em que é nomeada, ela não é mais.

"Comentar um texto é como fazer uma análise" (LACAN, Jacques. O seminário: livro 1. Os escritos técnicos de Freud, trad. Betty Milan, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979).

O sujeito antes de falar, é falado.

Não há sujeito sem Outro, pois, como já notamos, é a partir desse Outro que o sujeito se funda.

Lacan define o signo como aquilo que representa alguma coisa para alguém, de outra forma o significante é conceituado como aquilo que representa o sujeito para um outro significante.


Não há formação do analista, mas somente formações do inconsciente.

O psicanalista só se autoriza por ele mesmo.


VANIER. Alain. Lacan; trad. Nícia Adan Bonatti. São Paulo, Estação Liberdade, 2005. 

a relação de objeto

Lacan (1995, pg. 10) introduz as relações de objeto partindo de alguns pontos já articulados por Freud, ao mesmo tempo em que retoma o esquema Z, antes exposto no Livro 1, Os escritos técnicos de Freud. Neste esquema, Lacan (idem, ibidem) reforça sobre a inscrição da relação do sujeito com o Outro, com um outro sujeito na medida em que este Outro é capaz de enganar, ou melhor, é através desta fala virtual pela qual o sujeito recebe do grande Outro sua própria mensagem, desta vez, sob a forma de uma palavra inconsciente. Contudo, desconhecida ao sujeito, esta fala lhe é interditada, deformada, estagnada, interceptada pela interposição da relação imaginária entre a e a’.
A última divisão dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de Freud publicado em 1905, já falava sobre o objeto, o título desta divisão é justamente “A descoberta do objeto”.  A cada vez em que se entra em jogo a noção de realidade, implicitamente está se falando sobre o objeto, de outra forma também, fala-se deste a cada vez em que é implicada a ambivalência de certas relações fundamentais, isto é, o fato de que o sujeito é objeto para um outro, que existe um certo tipo de relações em que a reciprocidade, pelo viés de um objeto, é constituinte. Segundo Lacan (idem, pg. 13), “Freud insiste no seguinte: de toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não passa disso, a continuação de uma tendência onde se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar.” Não estamos falando aqui do objeto típico, do objeto por excelência, harmonioso, tipicamente considerado na teoria moderna, de que vem a fundar o homem numa realidade adequada, neste caso, o objeto genital. Justamente no momento em que está pensando na teoria da revolução instintual, tal como esta se origina das primeiras experiências analíticas, Freud indica que o objeto é apreendido pela via de uma busca do objeto perdido. Este, que corresponde a um estágio avançado da maturação dos instintos, trata-se de um objeto reencontrado desde o primeiro desmame, o objeto que foi inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança.
Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto que em algum momento se perdeu, através da qual se exerce todo o esforço da busca. Isto de fato, cria uma discordância pela repetição. Marca a redescoberta do signo de uma repetição impossível, já que este não é o mesmo objeto perdido, nem poderia sê-lo. A primazia desta dialética instaura uma tensão fundamental no centro da relação sujeito-objeto, fazendo com que o que é procurado não seja procurado da mesma forma com o que será encontrado. Em outras palavras, é através de uma busca por uma satisfação passada que o novo objeto é procurado e, quando encontrado é apreendido noutro ponto, que não aquele onde o procura.
 A relação entre o sujeito e o objeto garante uma reciprocidade entre as partes, assim como o sujeito e sua imagem no espelho. Lacan, já formulou no Estádio do espelho esta relação, no momento em que a criança reconhece sua própria imagem. Longe de conotar apenas o fenômeno que marca o desenvolvimento da criança, ilustra também o caráter de conflito da relação dual.
Ora, não é na via da consciência que o sujeito se reconhece, existe uma outra coisa, um mais-além. Centrado agora em função de um objeto, assim como um objeto ideal é literalmente impensável, numa outra perspectiva este objeto torna-se um ponto de mira, um ponto de chegada para o qual concorre toda uma série de experiências, de elementos, de noções parciais do objeto. O sujeito é caracterizado por este objeto, que serve para mascarar, enfeitar o fundo fundamental de angústia que caracteriza, nas diferentes etapas do desenvolvimento do sujeito em sua relação com o mundo. O objeto encerra o sujeito numa fortaleza, no interior da qual ele se põe ao abrigo dos medos, típicos, por exemplo, das fobias. O medo dá ao objeto seu papel, num momento determinado de uma certa crise do sujeito, não sendo por isso, nem típica nem evolutiva. Para Lacan (Idem, pg. 22) “o objeto tem uma certa função de complementação com relação a alguma coisa que se apresenta como um furo, até mesmo como um abismo da realidade.
A questão que se coloca neste momento é, justamente, determinar de qual furo está-se falando. O objeto inicialmente, se apresenta numa busca do objeto perdido. O objeto é então o objeto redescoberto, tomado ele próprio numa busca, onde não se sustenta a ideia de objeto acabado. Já se falou sobre a noção do objeto alucinado sobre um fundo de realidade angustiante, tal como Freud faz surgir do sistema primário do prazer. Oposto a isto, na prática analítica, existe a noção do objeto que se reduz ao real. Não se destaca mais sobre um fundo de angústia, mas sobre o fundo de realidade comum. Já um terceiro tema a que o objeto aparece é o da reciprocidade imaginária, em toda relação do sujeito com o objeto, o lugar do termo em relação é simultaneamente ocupado pelo sujeito.
A identificação com o objeto está no fundo de toda relação com este. Lacan (1995) chamou a isto de imperialismo da identificação, ou seja, já que um sujeito pode se identificar com outro, e o outro com este, trata-se dos dois o que o eu tem a melhor adaptação à realidade, será o melhor modelo.
 A noção de relação de objeto é impossível de compreender se não pusermos nela o falo como um elemento terceiro da relação. Seja qual for a relação imaginária, está modelada numa certa relação, efetivamente, fundamental. A relação mãe-criança é feita realmente para dar uma ideia de que se trata de uma relação real, fato a que se dirige a situação analítica. É impossível fazer intervir este elemento imaginário sem que se apresente como um ponto central da noção de relação de objeto, o que se pode chamar de falicismo da experiência analítica. Entretanto, não devemos nos apressar e reduzir esse falicismo imaginário a qualquer dado real que seja. Quando se busca a origem de toda a dialética analítica na ausência da trindade dos termos simbólico, imaginário e real, só se pode referir-se ao real. Mas, afinal o objeto é ou não o real? O que se encontra no real é o objeto?
A noção de falicismo implica por si mesma o desprendimento da categoria do imaginário. Mas, antes de se falar disso é preciso que se formule a questão do quer dizer a posição recíproca do objeto e do real. Quando se fala do real, pode-se visar coisas diferentes, em primeiro lugar, trata-se do conjunto daquilo que acontece efetivamente. Já na análise, faz-se um outro uso da noção de realidade, que é muito mais importante e nada tem a ver com o precedente. Com efeito, a realidade é posta em jogo igualmente no princípio de realidade assim como no princípio de prazer.
Lacan (1995) vai ilustrar seu pressuposto através da análise que o psicanalista inglês, Winnicott, fez sobre o que chamou de transitional object, ou transição de objeto ou então simplesmente, fenômeno transicional. Nesta noção, Winnicott observa que nos interessamos mais pela função da mãe, considerando-a decisiva na apreensão da realidade para a criança. A oposição dialética e impessoal do princípio de realidade e princípio de prazer, foi substituída por atores. “O princípio de prazer, nós o identificamos com uma certa relação de objeto, isto é, a relação com o seio materno, enquanto o princípio de realidade foi identificado por nós ao fato de que a criança deva aprender a dele se abster” (Lacan, 1995, pg. 33).
Segundo Winnicott, para que tudo corra bem, para que a criança não seja traumatizada, é preciso que a mãe opere estando sempre ali no momento necessário, vindo colocar no momento da alucinação delirante da criança, o objeto real que a satisfaz. Desta forma, a criança não tem como distinguir entre o que é da ordem da satisfação fundada na alucinação do princípio, ligada ao funcionamento primário, e a apreensão do real que a preenche e satisfaz efetivamente. Cabe à mãe ensiná-la, progressivamente, a submeter-se às frustrações e amo mesmo tempo a perceber, sob a forma de uma tensão inaugural, a diferença que existe entre a realidade e a ilusão. Nesse sentido, no interior de tal dialética é inconcebível que qualquer coisa possa se elaborar que vá além da noção de um objeto estritamente correspondente ao desejo primário. A grande diversidade dos objetos, tanto instrumentais quanto fantasiosos, que estão presentes no desejo humano, é impensável nesta dialética, ao passo em que esta se encarne em dois atores reais, a mãe e a criança. Todos os objetos dos jogos das crianças são objetos transicionais.
Seguindo esta linha de raciocínio, é a estes objetos que alguns analistas são sempre levados a procurar explicar a origem de um fato como a existência de um fetiche sexual.  São levados a buscar, pontos comuns entre o objeto na criança e o fetiche que vem ocupar o primeiro plano das exigências objetais para a satisfação sexual. Um lenço furtado à mãe, um ponta de um lençol, ou alguma parte da realidade posta acidentalmente ao alcance da criança são vistas, apesar de chamadas de transicional, não como um período intermediário, mas sim um período permanente do desenvolvimento da criança. O que se esquece nesta dialética, adverte Lacan (1995, pg. 35) é a noção da falta do objeto.
A falta do objeto não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo. Desde seu início a análise da neurose começa pela noção da castração. Acredita-se falar sempre dela como se falava no tempo de Freud. Falamos bem mais é da frustração e, há ainda um terceiro termo de que se fala, a noção de privação. Estas três coisas não são equivalentes.
Se nos referimos à privação, é na medida em que o falicismo (a exigência do falo) é o ponto principal de todo o jogo imaginário no progresso conflitual que é descrito pela análise do sujeito. É somente a propósito deste real, como uma coisa inteiramente distinta do imaginário que se pode falar em privação. Parece ser um problema maior que, um ser apresentado como uma totalidade possa sentir-se privado de algo que, por definição, ele não tem. Diz-se que a privação em sua natureza de falta, é uma falta real. Um furo.
A noção de frustração refere-se a um dano. É uma lesão, um prejuízo que, tal como temos o hábito de vê-lo se exercer, é sempre um dano imaginário. Por essência, a frustração é o domínio da reivindicação. Diz respeito a algo que é desejado e não obtido, mas que é desejado sem nenhuma referência a qualquer possibilidade de satisfação, nem de aquisição.
A castração, por sua vez, foi introduzida por Freud de uma forma absolutamente coordenada à noção da lei primordial na interdição do incesto e na estrutura do Édipo. A castração só pode se classificar na categoria da dívida simbólica.
Tem-se agora, a partir destas três definições: dívida simbólica, dano imaginário e furo, ou ausência real. A isto, deu-se o nome de três termos de referência da falta do objeto. Entretanto, o que é o objeto que falta nesses três casos? No nível da castração isto fica mais claro. Afinal, na medida em que é constituída pela dívida simbólica, a alguma coisa que sanciona a lei e que lhe dá seu suporte e seu inverso, fica claro que não se trata de um objeto real. O objeto é imaginário e isto deve fazer levantar a questão do que é o falo. O objeto da frustração em contrapartida é realmente, em sua natureza, um objeto real, por mais imaginária que a frustração seja. É sempre de um objeto real que o sujeito sente falta enquanto que, o objeto da privação não passa jamais de um objeto simbólico. Por exemplo, quando se pede um livro numa biblioteca, e é dito que este não está em seu lugar, ele pode estar bem ao lado, mas ainda assim, é faltante no seu lugar.

hipótese sobre o fantasma

Ao analisar alguns casos e suas relações com o fantasma, Calligaris (1986, pg. 18) estabelece que o fantasma fundamental que comanda a vida sexual de cada um, incluindo também os devaneios a que chamamos de fantasias, só desdobra sua eficácia com a inquietação constante de garantir o fracasso de sua atualização. No caminho da busca de um sentido, o fantasma pode exibir toda a riqueza de sua gramática, antes que o momento chegue de um ato analítico possível, um ato que confronte o sujeito com a mais simples escritura de sua montagem.
Diz-se que a linguagem é o campo do Outro, supõe-se, portanto, que há desejo no Outro.  Independentemente das intenções particulares, confessas ou inconfessadas, de qualquer indivíduo que seja, é na falação que se produz o desejo. “É num tempo logicamente segundo que um ser que será falante suporá um sujeito de um tal desejo e mesmo assim, um Sujeito Outro, que não coincide com nenhum dos outros, seus semelhantes.” (Calligaris, idem, pg. 22). Assim como aquilo que é tomado no fim de uma análise, aqui também entende-se que existe primeiro desejo na linguagem e, logo após, um desejo que se determina quando um Sujeito é suposto.  A linguagem torna-se o campo do Outro, na medida em que este Outro, isto é, um Sujeito que se supõe no desejo que se produz neste campo, aí aparece.
Para se compreender o funcionamento da linguagem, deve-se considerar um princípio mínimo que o que se enuncia espera sempre sua significação de algum outro lugar, de um enunciado a mais, e até mesmo, da linguagem em seu todo. Como sabemos não há linguagem em seu todo, assim a significação de um enunciado está sempre suspensa a um alhures que não podendo ser a totalidade acabada da cadeia dos enunciados, é sempre uma cadeia incompleta que, por sua vez, suspende sua própria significação a um terceiro enunciado ainda, e por aí vai indefinidamente.
Na psicanálise lacaniana a definição de um significante nos diz que, um significante representa um Sujeito para outro significante, representado da seguinte forma S₁ → $ → S₂. Podemos avançar através deste enunciado acrescentando que, para além de uma divisão entre um enunciado e sua significação, a existência mesma de um enunciado, sua unidade morfológica de significante (S₁), independentemente de seu sentido, só se dá para um outro significante (S₂), por retroação deste último. Um enunciado só existe, se destaca como um (S₁) dentro de uma cadeia. Se na linguagem encontramos desejo, não se deve só e simplesmente porque todo enunciado e, consequentemente todo querer está separado de sua significação, mas porque um enunciado só é um materialmente com sua separação da cadeia indefinida que o faz existir.
O desejo, resumidamente, é o efeito da divisão operando na linguagem antes que um enunciador situável dote as palavras de uma presumida intenção. Para que se possa dizer que no enunciado de um fantasma isso deseja, é porque a existência deste enunciado é comandada pela sua separação da cadeia, que o faz existir, que lhe dá existência. 
Portanto, isso deseja na linguagem, e se isso deseja não é porque falta alguma coisa. Em verdade, se alguma coisa falta na linguagem é uma última palavra que trouxesse em si mesma sua própria significação e para a qual nenhum dizer a mais seria necessário para veiculá-la. O que falta é um último significante que existiria por si só, que conteria em si mesmo a necessidade lógica de sua existência.” (Calligaris, idem, pg. 24).
Mas, o que este desejo quer daquele que deseja? Se isso deseja, cabe perguntar: o que isso quer de mim? Na medida em que o mim é a marca de uma escolha de vivente, isso me diz a respeito. Teve-se de se escolher, isso, mais do que a mim, que não seria ninguém sem isso. A escolha forçada da alienação (isso me diz respeito) impõe uma conclusão: do “eu não sou nada sem isso” para “eu não sou nada por causa disso”, inaugurando o ato de sacrifício próprio do fantasma. Este raciocínio tira seu caráter paradoxal do fato de ser articulado na primeira pessoa, como se eu pudesse produzir pensamentos. E que ele só se anuncia a posteriori, quando se é possível desmontar o fantasma já constituído, quando o lugar de onde isso deseja já tomou o corpo de um Outro, de um outro que escolhemos para servir.
Cita-se como exemplo, os tormentos de uma pessoa religiosa que considera a criatura como uma mancha para a perfeição do criador, que pode não passar de um leve deslizamento, se considerarmos que Deus pode ser um nome de um corpo que atribuímos ao lugar onde isso deseja. A alternativa que decorre do encadeamento que leva até ao “isso quer minha perda” é a do tudo ou nada. Sendo que, a criatura só existe por Deus, o que a deixa na total ignorância do mistério do querer Dele. Não tendo claro os desejos de Deus, sendo ela uma criatura, de que forma pode apagar a mancha que ela mesma constitui na perfeição do criador? Esta tarefa propõe duas alternativas: apagar a si mesmo ou transformar a mancha em uma missão para a criatura e assim preencher o desejo divino por suas obras, sem repouso, pois quem sabe o que quer este desejo?
O sujeito confrontado ao indeterminado do desejo na linguagem concebe a alternativa de apagar-se na esperança de abolir o desejo, ou novamente, determiná-lo imaginariamente para tentar preenchê-lo como a falta de um corpo. De acordo com Calligaris (1996, pg. 28), “atribui-se ao desejo um Sujeito Outro, a este Sujeito um corpo, e escolhendo este corpo uma falta, figura imaginária do desejo ao qual ele pode enfim fazer a oferenda de seu próprio corpo, na esperança de talvez preenchê-lo ao apagá-lo”.
Calligaris (1996) propõe a seguinte leitura para a fórmula do fantasma: $ ◊ a, ao Outro como desejante, ou melhor, como Sujeito atribuído ao desejo ($), cada um oferece-se como objeto (a), o símbolo ◊, destacado por Lacan como punção, marca a impossível colagem dos heterogêneos . Resolver a heterogeneidade entre um desejo indeterminado, efeito da divisão na linguagem e um corpo, não é outra coisa senão a função imaginária da castração. Esta escritura fixa o momento em que um significante faria do desejo no Outro o fato de um sujeito Outro, antes que este tome corpo, assim o objeto em oferta não se determina. O objeto é “alguma coisa”, um nada. Lacan inclui no seu catálogo de objetos parciais o nada que equivoca, pela etimologia, com alguma coisa. Não se trata de um objeto parcial como os outros, mas a posição do objeto ofertado ao desejo do Outro antes de qualquer determinação deste objeto e deste desejo, tal como uma falta imaginária sobre um corpo poderia representá-la. A castração imaginária funciona como um enunciado que preenche o papel duplo de produzir o Outro como Sujeito desejante, e de provê-lo de um corpo.
Freud já destacava nas últimas linhas de Análise Finita e Infinita um ponto instransponível pela análise, da castração. Quando um paciente fala sobre os pais, não deve apressar-se em concluir que é em relação à realidade de seus próximos que ele se situa. Este equívoco pressupõe que o Outro é o ajuntamento de alguns outros, e com isto priva-se de toda a chance de encontrar o corpo de cujo gozo é servidor. Pois para cada um deve-se procurá-lo alhures que no corpo de seus semelhantes. Encontrá-lo é fazer desde já ressoar a frase do fantasma, sendo ela o efeito ao mesmo tempo em que lhe dá figura.
É em relação a este corpo que se estabelece o catálogo dos objetos parciais de que ele pode ser imaginado amputado. Reconhecendo como objetos possíveis a voz, o olhar, seio, fezes e algumas vezes a urina, ou seja objetos destacáveis do corpo, assim como o estádio do espelho estabelece os limites. Já se quis acrescentar o suor, a respiração e também o sêmen, pois trata-se de objetos que obedecem ao mesmo critério. O corpo é escolhido como imagem de uma falta que um objeto pode preencher, mais precisamente de uma falta para gozar, sendo necessário que ele se preste para ilustrar o gozo malogrado.
Geralmente, é objeto a no fantasma todo objeto através da qual em face ao desejo do Outro o nada de ser do sujeito se determina, colando-se na figura imaginária desse desejo como falta ou amputação de um corpo que não é obrigatoriamente especular.
Na fórmula do fantasma ($ ◊ a), o losango poderia ser lido como equivalente da função imaginária da castração, ou seja, à operação que dá determinação e corpo ao desejo do Outro, permitindo a colagem com um objeto a determinado. Àquilo a que chamamos de fantasma, se formula segundo esta escritura, segundo a vontade de unir o objeto que somos ao corpo do Outro a quem ele falta, do Outro que um enunciado tornou sujeito, um enunciado onde aquele não se diz na primeira pessoa, um enunciado sem-eu. É nisto que o enunciado do fantasma será o verdadeiro operador da castração imaginária, não somente produz o Outro como Sujeito, mas também coloca a possibilidade de um saber sobre seu desejo, sendo a falta modelada segundo este suposto saber possível modela o corpo do Outro.
Sem deixar de considerar que a demanda pela linguagem que se alimenta de um corpo e de uma falta neste corpo responde a uma ordem que é a o do Nome-do-Pai, ou seja, esta demanda não ocorre sem a ajuda do que tomará um aspecto de interdição, interdição de se reunir novamente ao corpo no qual esta demanda se origina, separação instaurada pelo “não” da função paterna frente ao desejo materno. Desta forma, Calligaris (1996) permite articular a fórmula do fantasma de outra maneira: $ ◊ D. Onde indica que a função do Nome-do-Pai permite ao neurótico consistir em significante, como Sujeito ($), face à demanda do Outro (D), sendo esta demanda do Outro, a falta em um corpo.
O motivo pelo qual o fantasma não se enunciar na primeira pessoa, deve-se ao fato de que este evacua o objeto ao qual o ser do sujeito se reduziu, assim como o corpo ao qual ele se ofereceu. Sua narrativa assegura o neurótico quanto à sua consistência significante face à demanda do Outro. Em psicanálise, considerar o fantasma no sentido do discurso comum é ater-se aos limites da gramática de um roteiro que mantém o fantasma, da mesma forma que o é. Cada roteiro aparece como o atamento primeiro do objeto e do Outro. É este nó, escritura fundamental de todo o roteiro, que merece ser chamado de fantasma, ele manifesta o esforço sistemático para não se dar seguimento ao fato de que o gozo do Outro é impossível, esforço que toma a forma de uma oferenda de si mesmo como objeto ao corpo imaginário do Outro, ou para ser mais direto, à falta deste corpo. Podemos enfim constatar que, o fantasma é a relação fundamental de um ser falante com seu Outro, com a linguagem.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A mulher não existe ou A pele que habito

Prefiro não fazer algum tipo de comentário sobre o filme A pele que habito, de Almodóvar, pelo simples fato de estragar a (r)evolução para quem ainda não assistiu. Ponto. Entretanto, posso falar sobre o que o filme me fez pensar. Mas, recomendo assisitr ao filme antes!!!

Existe algo na sexuação das pessoas que não está marcado na pele, ou mais especificamente, na ordem dos genitais. Em  março de 1973, no que veio a ser chamado como Letra de Uma Carta de Amor, presente no Seminário XX - Mais ainda, Lacan escreveu a seguinte fórmula:



Chamada de Fórmula da Sexuação, Lacan vai dizer que do lado esquerdo temos o campo do Homem, onde pode-se ver duas inscrições específicas

e o lado direito onde temos 

trata-se do campo da Mulher. Na parte de cima encontramos uma proposição existencial e embaixo uma proposição universal. Em cima está o particular, é o particular que cria o universal e não o contrário como supõe a Lógica clássica.

O E invertido quer dizer existe, o x (de todas as fórmulas) é o mesmo que é lido na matemática, ou seja, em substituição para qualquer outro elemento, Φ é a letra grega maiúscula fi, que aqui representa o falo simbólico. Este falo, diz Lacan, é o significante que não tem significado, contudo produtor de significação, pois faz cadeia com outros significantes (S1  S2). O falo tem como função designar, para o sujeito, o conjunto dos efeitos de significados, isto é, a dimensão da fala. Ele foi um objeto imaginário, aquele que falta à mãe. É simbólico, como efeito do recalcamento originário, dado que se torna então o significante da castração e, ele é escolhido ao que pode aparecer de Real na relação sexual. Por fim, a barra que ora está em cima de algumas fómulas simboliza uma negação e, por fim o A invertido é o símbolo para todo, quando existe a barra de negação tem-se então um para não todo

Agora uma tentativa de leitura para esta fórmula.
, existe um x para qual a função de fi (falo simbólico) é negada. Ou seja, existe um homem para quem a lei fálica, a lei da castração, da interdição, não está inscrita. Esse é o homem que Freud tratou no texto Totem e Tabu, correspondente ao pai da horda primitiva, o único homem que gozava de todas as mulheres do bando, ficando aos demais homens a interdição às mulheres. Para que os demais pudessem ter acesso às mulheres deveriam matar seu algoz, entretanto, a liberdade em excesso acaba sendo opressiva, erguem em seu lugar um totem que lhes servirá como indicador da exogamia como regra. Esse "assassinato originário" é, para Freud, o fundamento da história e também o da religião. Já o enunciado , para todo x a função fi (falo) de x é verdadeira, trocando em miúdos, para todo sujeito a castração/interdição é verdadeira. Todo homem está submetido a impossibilidade de cometer o incesto.

As fórmulas até aqui anunciadas são complementares, sendo que uma convoca a outra o que caracteriza uma sincronicidade, se todos são iguais só o são perante um totem, o não castrado, esse último elemento pode ser substituído por algo que determina o interdito, na religião, por exemplo, Deus. Lacan usou o termo homenosum, quer dizer, ao-menos-um, ao matar o homenosum, um totem é erguido em seu lugar, ao derrubar um totem, outro surge em seu lugar.

Agora o campo oposto, a mulher. Enquanto do lado do homem temos o campo do Um, do lado da mulher situa-se o Outro. Esse outro é representado por Lacan com a letra A e uma barra que a corta. Se é barrado, é não-todo. Primeiramente a fórmula  , lê-se não existe um x que não seja função de falo de x, não existe nenhuma mulher que não esteja inscrita pela castração, ao falo. Em outras palavras, todas as mulheres, sem exceção, estão submetidas à Lei, pois no conjunto das mulheres falta aquela que seria o representante do ao-menos-um do homem, falta Uma que esteja de fora e as organize. É desta noção que surge um dos aforismos de Lacan onde diz que "as mulheres não fazem classe". Já  , quer dizer que, para não todo x existe a função do falo de x, como não existe uma mãe totêmica fora da castração, esta falta pressupõe também que não existe um sexo que não tenha como referência o falo, a mulher está, portanto, não-toda assujeitada a Lei. O falo falha em dizê-la toda, só o falo não indica exatamente o que ela é. Isto quer dizer que, apesar de toda mulher estar submetida ao falo, a mulher não está toda-inteira na função fálica.

Freud em 1931, fala que a feminilidade possui 3 formas de constituição: 1) A homossexualidade, ou a superenfatização da masculinidade. Enquanto que, no homem a existência do ao-menos-um, isso colocava os demais dentro de um grupo coeso, de uma classe, com a mulher como não existe Uma todas estão fora do conjunto, contadas uma a uma, assim no lugar da onipotência do Φ está o conjunto vazio (Ø). Desta forma, a mulher é toda Φ; 2) A mulher não está nem no conjunto vazio (Ø), nem no Φ, ao que Freud deu o nome a esta saída de abandono da sexualidade e; 3) A feminilidade, propriamente dita, é a que Lacan se aproveita para para escrever a parte inferior da fórmula da sexuação. 

Existe no esquema a letra A, esta representa o conceito de Outro, um lugar que está para além do Sujeito, lugar dos significantes, por isso confunde-se com a linguagem. A barra que atravessa o A nos diz que o Outro também é barrado, falta-lhe o Significante, o que faz Lacan usá-lo do lado da mulher e não do homem. Na parte inferior do quadro, do lado do homem, Lacan inscreve o $ e também o Φ. É isso o que suporta o significante como sujeito. Quanto ao próprio sujeito, ele é barrado devido ao significante, mas, enquanto parceiro, ele só tem a ver com o objeto a, por sua vez inscrito no lado da mulher.

Do vemos partir duas setas, uma em direção ao  que, de certa forma, remete ao conjunto vazio (Ø), representa o buraco impreenxível pelo que quer que seja. Não existe o Outro do Outro, e temos aqui outro aforismo lacaniano que diz o seguinte, mulher não existe. Isto quer dizer que não há um significante que diga o que é a mulher e quando ela em seu próprio campo pergunta WAS WILL DAS WEIB (O que quer a mulher)? só pode encontrar o vazio, o homem diante da mesma questão encontra aquele que está no lugar do totem.

A outra seta, que aponta para o Φ, pois não há x que não seja função de x, caminha para a via fálica. não se liga a a, O grande Outro não se liga a um pequeno outro, assim como $ não se liga ao falo (Φ). Simular, no sentido de representar em sua maneira de ser, o homem é a posição da histérica. Partindo da inexistência da mulher, que consiste em considerar as mulheres uma a uma, sem que por isso elas constituam um conjunto finito, a partir de então as mulheres encontram-se numa posição desdobrada. Deste A barrado partem duas flechas: uma que indica faltar no Outro esse significante que poderia organizar o conjunto das mulheres, e outra que marca uma relação com a função fálica inscrita no lado homem. Assim, a mulher é dividida, em sua sexualidade, entre esses dois significantes, é dividida em seu gozo. Todos estes três termos ,e a, se prestam para falar disto que não se escreve, deste problema que temos no inconsciente com o dizer, com a impossibilidade de dizer, de escrever um tipo de significação.

O fato de Lacan dizer que o ato sexual não existe (outro aforismo!), lembrando de que não estamos falando aqui da relação dos corpos, não é uma questão de corpos, mas de significantes, significa dizer que, toda vez que um homem tenta atingir sua parceira seuxal, ou seja, o Outro sexo por excelência, só o consegue fazer montando seu fantasma ($ ◊ a), relegando sua amada à condição de ser causa de seu desejo. Cada um só vai encontrar o outro através de seu próprio fantasma. Isto explica o fato das mulheres serem tão suscetíveis a elogios, pois desse a (objeto pequeno a) a mulher não tem acesso (Ⱥ não se liga a a), só quando é investida por um homem, de ser sua mulher quando na verdade é uma-mulher-entre-outras.

Estas explicações tem um maior efeito para aqueles que assistiram ao filme, pois quando Almodóvar sustenta que a mulher não existe, diz que mesmo sendo possível habitar uma mulher, não é algo que possa ser feito ao pé da letra. A homossexualidade masculina é de outra ordem, que um homem sinta atração sexual por outro homem, de modo algum isto o torna mulher, mas não é este o nosso caso. O homem busca na mulher aquilo que relaciona-se com seus objetos, com seus desejos, enquadra-se nesta relação. Mas de modo algum será a mulher. Para isto teria que responder a velha questão: o que quer a mulher? e daí cairia num fundo sem poço.

Referência Bibliográfica:
GERBASE, Jairo. A hipótese de Lacan sobre A mulher. Disponível em http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/conferencia_Gerbase_revisao_JG.pdf, último acesso em 05 de janeiro de 2012. 

LACAN, Jacques. O Seminário XX, Mais, Ainda, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.

RODRIGUES, Pedro L. de L. Fórmulas da sexuação. Disponível em veredas.traco-freudiano.org/veredas-8/txt-pedro.doc, último acesso em 05 de janeiro de 2012.

VANIER, Alain. Lacan; trad. Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. (Figuras do saber; 13).

VOLACO, Gustavo C. A derrisão da esfera ou a relação sexual não existe. Disponível em http://www.letra-psicanalise.com/index.php?option=com_content&view=article&id=163:a-derrisao-da-esfera-ou-a-relacao-sexual-nao-existe&catid=75:gustavo-capobianco-volaco&Itemid=148, último acesso em 05 de janeiro de 2012.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pichações no muro do hospital Emílio Ribas

Esta história parece ter se iniciado assim: a pichação que trazia os dizeres "Brasil Nazista", segundo comerciantes locais, teria sido feita há cerca de um mês. Esta frase tentava encobrir uma pichação anterior que ainda podia ser lida, "Por um mundo mais colorido", e alguns símbolos anarquistas. Ao que parece, a frase sobre o mundo mais colorido pode estar ligada a um movimento chamado de anarcopunks, este grupo contrariando o pré-conceito que muitos tem sobre o anarquismo e a cultura punk, pregam o combate ao racismo e à homofobia. Já a outra frase é provável ter origem de um movimento skinhead, denominado como white power, que traz como ideologia a supremacia de uma raça, no caso a branca, sobre as outras, ligados ao neonazismo. O encontro entre os dois grupos, invariavelmente, termina em confusão. Importante ressaltar também que nem todo grupo skinhead é homofóbico ou racista, cita-se como exemplo o grupo denominado como RASH (Skinheads Anarquistas e Comunistas), que informam no seu blog acreditarem "na igualdade de todos os seres humanos, sem bandeiras, sem separatismo, sem preconceito ou qualquer barreira, seja ela de classe, cor de pele ou orientação sexual".

Na última sexta-feira, 18 de novembro, o muro do hospital voltou a ser pichado com frases nazistas, os funcionários do hospital fizeram um mutirão para pintar o muro e apagar as frases. O fato destas ações se darem no Instituto de Infectologia Emílio Ribas, talvez não seja tão ao acaso assim. O hospital é referência no tratamento de doenças infecciosas no país, incluindo a aids. Não é preciso ir muito longe para lembrar que a aids no começo da epidemia, início dos anos 80, estava muito associada de uma forma pejorativa aos homossexuais. Uma das mensagens pichadas era "Fora Bichas". Cito o texto do Calligaris que fala sobre algumas motivações para a homofobia. 

O problema talvez não seja pertencer a um grupo (seja ele qual for), mas sim, acreditar que a intolerância seja de fato uma bandeira a ser seguida.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Homofobia e Homossexualidade

Cena do vídeo Encontrando Bianca, parte do kit anti-homofobia não divulgado nas escolas

Por Contardo Calligaris 
Folha de S. Paulo - 10 de novembro de 2011.

Experiência mostra que indivíduos homofóbicos sentem excitação diante a de estímulos homossexuais

Desde o fim do ano passado, em São Paulo, assistimos a uma série de ataques brutais contra homossexuais ou homens que seriam homossexuais aos olhos de seus agressores.

No fim de 2010, por decreto da Presidência da República, foi estabelecida a finalidade do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (parte da Secretaria de Direitos Humanos).


Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união entre pessoas do mesmo sexo como unidade familiar. Não me surpreende que uma explosão de homofobia aconteça logo agora, pois, em geral, o ódio discriminatório aumenta de maneira diretamente proporcional aos avanços da tolerância.

Funciona assim: quanto mais sou forçado a aceitar o outro como igual a mim, tanto mais, num âmago que mal reprimo, eu o odeio e quero acabar com ele. Mas por que eu preferiria que o outro se mantivesse diferente de mim? Por que não quero reconhecê-lo como igual? O termo de homofobia, inventado no fim dos 1960, designa, mais que um preconceito, uma reação emocional à presença de homossexuais (ou presumidos homossexuais), num leque que vai do desconforto à ansiedade, ao medo e, por fim, à raiva e à agressão.


Numa entrevista na "Trip" de outubro (http://migre.me/6563w), apresentei a explicação clássica da homofobia do ponto de vista da psicanálise: "Quando as minhas reações são excessivas, deslocadas e difíceis de serem justificadas é porque emanam de um conflito interno. Por que afinal me incomodaria meu vizinho ser homossexual e beijar outro homem na boca? De forma simples, o que acontece é: 'Estou com dificuldades de conter a minha própria homossexualidade, então acho mais fácil tentar reprimir a homossexualidade dos outros, ou seja, condená-la, persegui-la e reprimi-la, se possível até fisicamente, porque isso me ajuda a conter a minha'".


Exemplo: se eu sinto (e não quero sentir) atração por um colega de classe do mesmo sexo, o jeito, para me convencer que não sinto atração alguma, é chamar esse colega de veado, juntar um grupo que, como eu, odeie homossexuais e esperar o colega na saída da escola para enchê-lo de porradas.

Um amigo me perguntou se essa interpretação da homofobia não era sobretudo uma forma de vingança: você gosta de agredir homossexuais pelas ruas da cidade? Olhe o que isso significa: você mesmo é homossexual. Gostou? O amigo continuou: "Isso não é bonito demais para ser verdade?".


Pois bem, anos atrás, pesquisadores da Universidade da Georgia selecionaram 64 homens que (na escala Kinsey) se apresentavam como sendo exclusivamente heterossexuais. Todos foram testados por uma entrevista (clássica, o IHP) que estabelece o índice de homofobia, de 0 a 100. Com isso, foram compostos dois grupos: os não homofóbicos (IHP de 0 a 50) e os homofóbicos (IHP de 50 a 100).


Nota: chama-se pletismógrafo um instrumento com o qual se registram as modificações de tamanho de uma parte do corpo. Pois bem, todos vestiram um pletismógrafo peniano, graças ao qual qualquer ereção, até incipiente e mínima, seria medida e registrada. Depois disso, todos os 64 foram expostos a vídeos pornográficos de quatro minutos mostrando atividade sexual consensual entre adultos heterossexuais, homossexuais masculinos e homossexuais femininos.


À diferença do que aconteceu com o grupo de controle (ou seja, com os não homofóbicos), a maioria dos homofóbicos teve tumescência e ereção significativas diante dos vídeos de sexo entre homossexuais masculinos. Confirmando a interpretação da psicologia dinâmica: indivíduos homofóbicos demonstram excitação sexual diante de estímulos homossexuais.


Existe a possibilidade de que a excitação manifestada pelos homofóbicos seja efeito, por exemplo, de sua vontade de quebrar a cabeça dos protagonistas dos vídeos -existe, mas é remota (porque os 64 indivíduos da amostra passaram todos por um questionário que mede a agressividade, e ninguém se mostrou especialmente agressivo).


Para quem quiser conferir, a pesquisa, de Henry E. Adams e outros, foi publicada no "Journal of Abnormal Psychology" (1996, vol. 105, n.3), com o título "Is Homophobia Associated with Homosexual Arousal?" (a homofobia é associada à excitação homossexual?) e é acessível na internet: http://migre.me/656Z4.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

De tempos em tempos

  • Sócrates acreditava que a escrita acabaria com a memória das pessoas, além de enfraquecer a mente e o raciocínio;
Sócrates no leito de morte. 1787, Jacques-Louis Daivid
  • Na Europa da Idade Média, após o surgimento da imprensa de Gutenberg, alguns pensadores acreditaram que a difusão maciça de livros provocaria uma banalização da cultura;
A prensa inventada por Johannes Gutenberg no século XV
  • As primeiras transmissões via rádio no Brasil, com ópera, recitais de poesia, concertos e palestras culturais, serviam apenas à elite não se destinava às massas;
A Rádio Nacional foi criada em 1936
  • Quando a TV começou a se popularizar, especulava-se sobre sua tendência e gosto excessivo pelo espetáculo, apelo demasiado à emoção, desprezo pela cultura, exposição de múltiplas violências... Estas notas acabariam por alienar as pessoas;
O mal do século
  • Com o surgimento do videocassete acreditou-se que as salas de cinema ficariam vazias;
Propaganda da Philco nos anos 80
  • A internet é acusada de deixar as pessoas mais burras e com baixa concentração;
Revista Galileu nº 229 - Agosto/2010