quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Do lado de dentro ou do lado de fora?

Ontem assisti uma aula que não sei muito bem dizer sobre o que. Bom, teve um filme chamado A Quarta Guerra Mundial - The Fourth World War (2003), que de uma forma bem resumida trata sobre a luta mundial contra a opressão do neoliberalismo. Nesta guerra onde os protestos são contra as diversas formas de opressão, imposição, desrespeito aos direitos humanos, o que se busca é a não-alienação do sujeito.

Por alienação podemos considerar o conceito que vai de Hegel à Marx e que se liga ao trabalho. Hegel dizia que o trabalho é a essência do homem, é através do trabalho que o sujeito pode realizar plenamente suas habilidades em produções materiais. Marx achou interessante o fato de Hegel considerar a transformação do pensamento puro em pensamento sensível, visando uma realização material na forma de trabalho, fazendo do homem um ser alienado (aqui num sentido positivo), separado da essência pura abre-se caminho para a separação entre ideal e real. Este pensamento se encaixou muito bem nas relações sociais do capitalismo (em Marx num sentido negativo), em que os trabalhadores eram explorados nas fábricas e deixavam seus patrões cada vez mais ricos, ao passo que os tais trabalhadores ficavam cada vez mais pobres. Entretanto, não vou me atrever a continuar falando de Marx ou Hegel, só quis ilustrar a alienação. Quando vemos um protesto, uma greve, uma manifestação, temos uma tentativa de se sair da condição de alienado?

Bom, voltando à aula. Vou tentar descrever a situação, claro que segundo a minha opinião. Perdi a introdução antes do filme, cheguei quando este se iniciava. Não muito além de uma hora de vídeo, passamos do filme à uma exposição de alguns conceitos como design social, Primavera Árabe, e três pontinhos. O que me chamou a atenção foi a) o fato da aula continuar após o filme sem um intervalo, fato que 99,9% das vezes ocorre em outras aulas, b) após algumas questões levantadas em sala notei um certo "autoritarismo do saber" - notem que usei as aspas justamente para ressaltar que esta é a minha posição, por parte do que chamaremos aqui de professor e, c) tudo isso se deu após um filme que denunciava justamente este comportamento autoritário. Fiz alguns comentários após a aula com alguns amigos sobre esta postura, perguntei se no início havia sido dito que não haveria um intervalo, responderam que não. Sem criar polêmicas com o intervalo até porque eu não vou tomar café, comer algo ou ir ao banheiro, mas porque gosto do bate-papo deste momento.

GOFFMAN E AS INSTITUIÇÕES TOTAIS

Contudo, chego agora - e só agora! onde queria chegar. Me lembrei de um autor que li na época da faculdade chamado Erving Goffman, professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia, que escreveu Manicômios, Prisões e Conventos (2001). Neste livro Goffman vai formular os conceitos de “instituição total”, de “carreira moral” e de “vida íntima da instituição”. Existem alguns mecanismos de estruturação de uma instituição que acabam determinando a sua condição de instituição total e consequentemente, promovem interferências na formação do eu do indivíduo que participa desta instituição. O termo "total" da instituição se dá por sua tendência a um "fechamento", ou seja, as pessoas ao inserirem-se numa instituição social passam a agir num mesmo lugar, com um mesmo grupo de pessoas sob tratamentos, obrigações e regras para a realização de atividades impostas. Quando esta instituição social se organiza para atender seus internos em situações semelhantes, separando-os da sociedade de um modo mais amplo por um período de tempo e impondo-lhes uma rotina fechada, temos aqui as condições para o que Goffman chamou de instituição total.

Um conceito importante nesta obra é a "mortificação do eu", quando um interno chega a um hospital ele sofre uma supressão da concepção de si mesmo e da cultura que traz consigo, há um despojamento de seu papel na vida civil que deve agora ser obedecido através das regras de conduta da instituição. Se um padre ou um músico cairem doentes no leito de um hospital, sua vida social não interessa à instituição que agora os considera "pacientes", estas ações fazem com que se perca o conjunto de identidade levando-os a uma reorganização pessoal. Estes mecanismos geram um ambiente que causa no sujeito a sensação de fracasso, um sentimento de que o tempo de internação é perdido, mas que necessita ser cumprido e esquecido, além de uma angústia diante da ideia de retorno à sociedade. O processo de internação é caracterizado pelo autor através da "carreira moral", que passa por fases de abandono, desejo de anonimato, passando por uma fase de aceitação onde o interno considera esta condição como parte essencial para sua cura, criando uma sensação de impotência. Para isto, as instituições totais criam ajustamentos através de regras de conduta e padrões que norteiam o bem estar, valores, incentivos e sanções para seu internado, o que Goffman nomeou como a "vida íntima da instituição".

UM PANORAMA ATUAL

Esta vida reclusa numa instituição total não é privilégio apenas das prisões, conventos e manicômios, vemos várias outras instituições assumirem este mesmo caráter de fechamento e de mortificação do sujeito. Nesse novo apanhado situam as escolas, os hosptais, casas de repouso, abrigos, a religião, muitas ONGs e muitas outras instituições, que sempre levam o sujeito a uma despersonalização. Um fato curioso é que estas instituições vem a produzir justamente aquilo que deveriam combater, assim os hospitais que deveriam lutar contra as doenças e promover a saúde, têm produzido outras tantas questões que também são enquadradas sob a forma de adoecimento. Só para citar como exemplo: 
  • Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (INEP) a cada 100 alunos que ingressam na escola na 1ª série, somente 5 concluem o ensino fundamental. Em 2007, 4,8% dos alunos matriculados no ensino fundamental e 13,2% matriculados no ensino médio abandonaram a escola. Além das condições socioeconômicas, culturais ou geográficas um dos motivos diz respeito ao encaminhamento pedagógico e a baixa qualidade do ensino nas escolas (http://www.infoescola.com/educacao/evasao-escolar/);
  • O estudante M. L. S. de 18 anos, disse que foi agredido com uma pistola por um segurança da Igreja Universal do Reino de Deus de Taubaté (SP) enquanto usava um banheiro da igreja. Ao sair do local, ainda machucado, pediu socorro em uma base móvel da Polícia Militar mas os policias disseram que era para ele resolver o caso na igreja (http://www.fontegospel.com.br/?p=55043);  
  •  O Vaticano reforçou que os casos de padres pedófilos devem ser denunciados "sempre" à autoridade civil e que, ...
Acho que basta! Claro que existe também ótimos resultados em todas estas instituições, uma colega de trabalho conta que foi premiada este ano pela rede de ensino como professora revelação. Esta mesma educadora é responsável por uma oficina de videogames em uma ONG, entre as discussões com as crianças fica o destaque para o tema violência. Por outro lado, nosso referido professor pode dizer que as fontes das informações citadas acima manipulam os dados a seu favor. Não preciso destes dados para saber que uma parte considerável de jovens está descontente com as escolas, apresentam dificuldades de interpretação de textos, que no hospital meu tio se chamava Paciente do Leito 14, e que a igreja acredita nos direitos humanos, desde que ele não seja gay... Também posso dispensar as referências para suspeitar de uma aula que se atreve a denunciar o autoritarismo e a alienação, mas deixa de ouvir o que os "depositários" tem a dizer. 

ESTAMOS CONFORMADOS?

Ainda não havia aplicado (ou pensado) no conceito exposto acima, ou seja, de que muitas instituições acabam produzindo aquilo que deveriam combater, em pessoas. Mas parece que minha última aula não deixa dúvidas. O pior e, provavelmente a causa de tamanho texto é admitir que fiquei em silêncio, que permaneci na mais sublime posição de alienado... Se o conceito pode ser aplicado ao professor, pode também ser aplicado à mim.

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