segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um conto chinês

Assisti, por indicação de uma amiga, ao filme Um conto chinês, direção do argentino Sebastián Borensztein. Posso dizer que gostei bastante do filme apesar de algumas ressalvas.

Sempre acho estranho como os estrangeiros são retratados em alguns filmes. Tenho reparado que recentemente muitos filmes estadunidenses trazem soldados que lutaram no Oriente Médio. Na maior parte das vezes são os "bonzinhos" dos filmes (Transformers, Os Mercenários 2, ...). Antes os bons soldados haviam lutado no Vietnã (Rambo, ...), quando não estavam combatendo o nazismo (Capitão América, ...). Depois de uma certa idade, certas coisas, não passam mais em branco e todo mundo sabe os (reais) interesses "USA" no Irã, Iraque, Afeganistão. Pro inferno que os filmes digam o contrário!

Um conto chinês é uma comédia e assim sendo acaba explorando, ou exacerbando, certos aspectos da personalidade dos personagens. O filme foi baseado a partir de uma "história absurda", pois a cena que abre o longa mostra um casal de chineses num barco, clima romântico, o cara vai pedir a moça em casamento, mas é interrompido pela morte da amante com uma vaca que cai do céu!

O termo história absurda é relativo. Marca o personagem Roberto (Ricardo Darín) que as coleciona recortando tais histórias de jornais. Roberto é dono de uma loja de ferragens e leva uma vida solitária e cheia de automatismos, exacerbando nos aspectos obsessivos como, dormir exatamente na mesma hora, contar a quantidade de parafusos da caixa, as coleções. Essa rotina marca um personagem onde sua vida virou um acaso, sem aberturas para novidades. É aqui que surge Jun (Ignacio Huang), um chinês perdido em Buenos Aires sem falar uma palavra do espanhol. Jun só tem o endereço do tio no braço e está sozinho para procurá-lo, ou melhor, estava. A partir do momento em que Roberto decide ajudá-lo tem início uma relação com poucas palavras e poucos afetos, um não fala a língua do outro, deveria ser apenas uma estadia temporária.

O personagem de Jun é caricaturado como o oriental que muitos filmes trazem. Chega a parecer idiota, tentanto se explicar em sua própria língua para outros que não o entendem. Pensei numa cena do filme Dragão: A história de Bruce Lee, de Rob Cohen, onde Lee (Jason Scott Lee) vai ao cinema com a namorada e assiste ao filme Breakfast at Tiffany's. Bom, veja você mesmo:

 

Assim como tentam nos fazer engolir um bom soldado que lutou numa guerra onde tal conotação só vem a encobrir a realidade dos fatos (toda guerra é terrível), da mesma forma, os personagens que fogem do estereótipo ocidental, tem também seu nível de exacerbação cultural. Como se, para entrar nos filmes ocidentais, tenham que ficar cômicos ou extremistas. Só Lee não ri. Não entende qual é graça. Como tenho traços orientais, cansei de dizer que não sei alguma luta marcial! Agradeço muito a Jackie Chan por isso... O que fica são estereótipos que marcam a hereditariedade, encobrem o que a pessoa é em sua singularidade. Saber uma arte marcial, por exemplo, vem a partir da aquisição de um saber, portanto uma construção, não se nasce sabendo. Mas, vai tentar explicar isso...

Quando vamos lidar com o outro, e esse outro é de uma cultura diferente da nossa, é fácil ver como apelamos para os estereótipos que as mídias, formadores de opinião que são, (re)tratam. Gosto quando tenho a oportunidade de ver outras culturas dita por elas mesmas. O que vemos não é algo tão diferente ou caricaturado como as mídias ocidentais fazem parecer. Dois exemplos (já havia comentado sobre o filme A Separação aqui):



 

Sorte que Borensztein teve esta sensibilidade e acabou saindo do óbvio, dos clichês. A cena em que Jun fala com seu tio pelo telefone, em outra língua, sem legendas, ao lado de um silencioso Roberto, não se ouve o tio falando, e nem se sabe o que diz Jun, mesmo assim entende-se muita coisa. Principalmente, nossos próprios clichês.

3 comentários:

  1. Paulo, li e realmente fiquei surpresa com as comparações com os filmes estadunidenses porque em vários momentos "um conto..." nos conduz para à contramão destes filmes. Quando digo vários, quer dizer, muitos.
    Uma pena você ter percebido somente na conversa do chinês com seu tio, descortinar nossos clichês, mas está valendo porque foi a mais marcante, talvez. E fico feliz que você gostou.
    Carla

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  2. não havia pensado pelo lado dos clichês. Vi o filme como um representante de uma vertente do cinema que conta não só uma "narrativa do herói", mas também aprofunda-se em suas idiossincrasias. Pra mim, "un conto chino" estaria mais próximo de "Amélie Poulain".

    saudades!

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    1. Muito obrigado pelas contribuições e vários outros pontos de vista!!!
      Abs

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