quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Sem título

Li este trecho a partir de uma entrevista com o psicanalista Alberto Eiguer, discutindo sobre famílias. Contudo, vai além...

"É difícil para os indivíduos entender que o poder não dá a felicidade... Os adultos têm medo de perder; as manipulações são, no fundo, atos de desesperança."

Jornal de Psicanálise, Volume 40 - jun. 2007 - nº 72. Insituto de Psicanálise - SBPSP.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

É puta mesmo!!!


Acima de tudo, vale o que eu penso.” Esta é uma pequena impressão que ficou após assistir à peça “Filha, Mãe, Avó e Puta - Uma Entrevista”, apresentada no IX Congresso Brasileiro de Prevenção às DST e Aids, em São Paulo.
A peça narra a história de Gabriela Leite, socióloga formada pela USP, fundadora da ONG Davida, ativista na luta pelos direitos das prostitutas, contra a aids e criadora da grife Daspu. Como se não bastassem os 60 minutos da peça que levaram os presentes das gargalhadas às lágrimas, ao final tivemos a honra de contar com a própria Gabriela e os atores da peça para um bate-papo.
Filha de uma família tradicional, Gabriela frequentou o círculo dos intelectuais e artistas paulistanos, mas foi na prostituição, na mais livre forma de “amor” que encontrou sentido para lutar contra as hipocrisias. Por isso, prefere ser chamada de puta, pois os termos “garota de programa” ou “profissional do sexo”, trazem arraigados o preconceito moralista da sociedade.
A atriz Alexia Dechamps dá corpo a uma Gabriela Leite que já viveu muita coisa, está em plena maturidade e vem pensando em envelhecer, assume trejeitos próprios que fizeram a própria Gabriela Leite comentar coisas como: “eu não disse isso desta forma”. Quando vemos aquela figura pequena e frágil subir no palco, ao ouvir aquele fio de voz fraco temos um baque com tamanha força que tem suas palavras.
Baqueados assim, ouvimos Gabriela dizer sobre sua emoção em apresentar sua história para um público tão especial: É a primeira vez que a peça é apresentada para o movimento de aids que eu tanto amo, estou muito feliz”, comemora.
Baqueados assim, ouvimos a história de Gabriela quando negou o financiamento milionário estadunidense, justamente por contrariar a principal causa de mobilização na luta das prostitutas. Sabe-se que no início dos anos 2000, o lançamento do programa de prevenção Esquina da Noite, tendo como objetivo fortalecer a Rede Brasileira de Prostitutas, através de atividades voltadas à promoção da autoestima, aos direitos humanos e reconhecimento do trabalho sexual como direito, exigiu das ONGs a constituição de consórcios para habilitarem-se a receber fundos federais. Para estes grupos estava-se bem claro que não era suficiente intervir apenas na prevenção do HIV, mas era necessário a vinculação do trabalho de prevenção a outras demandas colocadas pelo movimento de prostitutas. Um dos resultados disso, foi que em 2002, a profissão “trabalhador do sexo”, foi inserida na Classificação Brasileira das Ocupações (CBO 5198-05).
Os programas de prevenção ao HIV/Aids para estes grupos eram financiados tanto pelo Programa Nacional de DST/Aids quanto pelo acordo de cooperação Brasil-USAID, através do projeto AIDSCAP.  Em 2005, a USAID adiciona novas cláusulas contratuais ao convênio já assinado, entre elas a  “cláusula anti-prostituição”, adicionada ao PEPFAR em 2004, exigindo das organizações a assinatura de um  compromisso formal condenando a prostituição, além de um certo pedido do governo Bush de abstinência sexual como forma de combater a gravidez e as DSTs. Após a suspensão deste financiamento, em 2005, criou-se o projeto Sem Vergonha, com coordenação nacional da ONG Davida. O projeto priorizou o reforço da liderança comunitária e o protagonismo político das prostitutas.
Baqueados, ouvimos também em outros momentos do Congresso, uma frágil Gabriela questionar o papel de alguns fortes representantes do movimento de DST/Aids. Durante a apresentação da Mesa Redonda no último dia de Congresso, discutindo o tema “De que prevenção estamos falando? Conceitos e práticas no cenário atual”, o Coordenador Estadual de DST/Aids de São Paulo, Paulo Teixeira e o representante federal do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Ivo Brito se viram numa saia justa sobre a indagação de um panfleto lançado com relação à Profilaxia Pós-Exposição Sexual.
Vale ressaltar que num primeiro momento Gabriela compromete os palestrantes questionando se o panfleto que estava em suas mãos foi criação dos mesmos. Após a afirmativa, segue a leitura do trecho:
Se você teve relação sexual com parceiro(a) fixo(a) ou ocasional que é usuário de drogas, profissional do sexo, gay, travesti ou homem que faz sexo com homem, por exemplo, que não sabe que tem HIV e vocês não usaram a camisinha ou tiveram algum acidente durante o uso.”
O motivo de revolta é onde se encontram as relações heterossexuais neste panfleto. Enquanto sujeito oculto nos meios de prevenção lançado pelo próprio governo, reforça-se algo que tem se tentado erradicar, ou seja, os “grupos de risco”. Se por um lado tem-se dito que o termo “grupos de risco” reforçam os preconceitos no campo da aids, por outro desvia-se o foco da prevenção, tratada sob um olhar puramente comportamentalista, vista hoje a partir das vulnerabilidades sejam elas individuais (ou comportamentais), sociais (contextuais) ou pragmáticas (institucionais).
Por último, gostaríamos de desejar forças à Gabriela Leite que vem lutando contra o câncer. Emocionante o momento no qual, humildemente, agradece à quimioterapia, pois acredita que naquele “saquinho” está o empenho de muitos que pesquisaram e possibilitaram o tratamento para sua doença. “Eu acredito nas pessoas”, reforça.
Para saber mais:



A peça está em cartaz no Mube até 23 de setembro. 
Sexta e Sábado: 21h30; Domingo: 19h 
Rua Alemanha, 221 - Jardim Europa
(011) 2594-2601 
Ingresso: R$ 50 (sex.) e R$ 60 (sáb. e dom.)

 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Um conto chinês

Assisti, por indicação de uma amiga, ao filme Um conto chinês, direção do argentino Sebastián Borensztein. Posso dizer que gostei bastante do filme apesar de algumas ressalvas.

Sempre acho estranho como os estrangeiros são retratados em alguns filmes. Tenho reparado que recentemente muitos filmes estadunidenses trazem soldados que lutaram no Oriente Médio. Na maior parte das vezes são os "bonzinhos" dos filmes (Transformers, Os Mercenários 2, ...). Antes os bons soldados haviam lutado no Vietnã (Rambo, ...), quando não estavam combatendo o nazismo (Capitão América, ...). Depois de uma certa idade, certas coisas, não passam mais em branco e todo mundo sabe os (reais) interesses "USA" no Irã, Iraque, Afeganistão. Pro inferno que os filmes digam o contrário!

Um conto chinês é uma comédia e assim sendo acaba explorando, ou exacerbando, certos aspectos da personalidade dos personagens. O filme foi baseado a partir de uma "história absurda", pois a cena que abre o longa mostra um casal de chineses num barco, clima romântico, o cara vai pedir a moça em casamento, mas é interrompido pela morte da amante com uma vaca que cai do céu!

O termo história absurda é relativo. Marca o personagem Roberto (Ricardo Darín) que as coleciona recortando tais histórias de jornais. Roberto é dono de uma loja de ferragens e leva uma vida solitária e cheia de automatismos, exacerbando nos aspectos obsessivos como, dormir exatamente na mesma hora, contar a quantidade de parafusos da caixa, as coleções. Essa rotina marca um personagem onde sua vida virou um acaso, sem aberturas para novidades. É aqui que surge Jun (Ignacio Huang), um chinês perdido em Buenos Aires sem falar uma palavra do espanhol. Jun só tem o endereço do tio no braço e está sozinho para procurá-lo, ou melhor, estava. A partir do momento em que Roberto decide ajudá-lo tem início uma relação com poucas palavras e poucos afetos, um não fala a língua do outro, deveria ser apenas uma estadia temporária.

O personagem de Jun é caricaturado como o oriental que muitos filmes trazem. Chega a parecer idiota, tentanto se explicar em sua própria língua para outros que não o entendem. Pensei numa cena do filme Dragão: A história de Bruce Lee, de Rob Cohen, onde Lee (Jason Scott Lee) vai ao cinema com a namorada e assiste ao filme Breakfast at Tiffany's. Bom, veja você mesmo:

 

Assim como tentam nos fazer engolir um bom soldado que lutou numa guerra onde tal conotação só vem a encobrir a realidade dos fatos (toda guerra é terrível), da mesma forma, os personagens que fogem do estereótipo ocidental, tem também seu nível de exacerbação cultural. Como se, para entrar nos filmes ocidentais, tenham que ficar cômicos ou extremistas. Só Lee não ri. Não entende qual é graça. Como tenho traços orientais, cansei de dizer que não sei alguma luta marcial! Agradeço muito a Jackie Chan por isso... O que fica são estereótipos que marcam a hereditariedade, encobrem o que a pessoa é em sua singularidade. Saber uma arte marcial, por exemplo, vem a partir da aquisição de um saber, portanto uma construção, não se nasce sabendo. Mas, vai tentar explicar isso...

Quando vamos lidar com o outro, e esse outro é de uma cultura diferente da nossa, é fácil ver como apelamos para os estereótipos que as mídias, formadores de opinião que são, (re)tratam. Gosto quando tenho a oportunidade de ver outras culturas dita por elas mesmas. O que vemos não é algo tão diferente ou caricaturado como as mídias ocidentais fazem parecer. Dois exemplos (já havia comentado sobre o filme A Separação aqui):



 

Sorte que Borensztein teve esta sensibilidade e acabou saindo do óbvio, dos clichês. A cena em que Jun fala com seu tio pelo telefone, em outra língua, sem legendas, ao lado de um silencioso Roberto, não se ouve o tio falando, e nem se sabe o que diz Jun, mesmo assim entende-se muita coisa. Principalmente, nossos próprios clichês.