terça-feira, 4 de março de 2014

Rei morto, Rei posto. Rei posto, Rei morto????

Não conhecia a expressão “rei morto, rei posto”. Pelo que entendi refere-se ao desligamento de uma pessoa de seu cargo, ou ainda, uma vez destituído de seu lugar, outro poderá ocupar este mesmo lugar sem grandes delongas. 

Não sou fã de jargões, frases feitas, provérbios, ditados ou discursos politicamente corretos. Acredito que ao se fazer uso destes instrumentos, na maioria das vezes levanta-se uma barreira para a reflexão, faz com que o outro acene positivamente com a cabeça, pois já ouviu a frase inúmeras vezes, e acaba dando a impressão de uma verdade inquestionável. Afinal, quantas vezes você já se levantou contra a frase: “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”?

Bom, mas nosso dito é outro. “Rei morto, rei posto” traz a ideia de que é possível substituir um rei. Já quero adiantar que uma pessoa é insubstituível! O ditado acima esteve presente nas palavras do Lula em seus últimos momentos como Presidente da República. Para Lula, no caso, referia-se a uma adaptação à nova condição de ex.  Não é mais a representação da presidência, porém, de certa maneira, continua sendo. Teve acessos que ninguém mais teve, viu coisas que outros não viram. E, agora tem que voltar a viver sem o (artigo definido destacado) presidente. Fernando Henrique Cardoso dizia numa reportagem após sua saída da presidência, sobre ter que fazer o próprio check-in no aeroporto, carregar a própria mala, procurar um táxi...

Outro exemplo que podemos usar aqui é citando Getúlio Vargas. Quando foi destituído da presidência se recolheu em sua fazenda em São Borja. Voltou ao poder em 1950, quando quatro anos depois escolheu o suicídio. Em seu diário escrevia sobre a solidão do Palácio do Catete, amiga inseparável. Ter que deixar novamente este lugar trouxe a insuportável ideia de um novo exílio.

Claro que a Presidência da República continuará em sua jornada de avanços e corrupções, conquistas e derrotas. Assim, só é possível que o rei possa ser substituído a partir do momento em que rei é um cargo, uma posição a ser ocupada. Desta forma, o lugar pode oferecer possibilidades de substituição, mas não a pessoa que anteriormente a ocupou.

Cargos são substituíveis, pessoas não. Quando dizemos que Iara é uma boa professora de redação, dizemos “as aulas de Iara são boas”. Meu interlocutor, logo decodifica de que estou falando das aulas ministradas por Iara com relação ao ensino das técnicas para um bom texto. Uma economia no discurso, uma vez que não cito a redação na frase, mas que acaba personificando o lugar ocupado pela pessoa que o ocupa. Entramos agora no jogo das frases feitas. Dizer que Iara pode ser substituída não é o mesmo que dizer que as aulas de redação serão administradas por outra pessoa. De novo, uma pessoa não se resume a seu cargo e nem o cargo resume a pessoa. Paremos com isso, apesar da tendência!

O campo do politicamente correto encobre a possibilidade reflexiva, a possibilidade da divergência. Nesse sentido, o transgressor será “incorreto”. Fora isso, devemos considerar a complexa capacidade humana de fazer vínculos.

Pensemos naqueles que vivem em instituições há um bom tempo. Uma característica que é muito visível (e bem incômoda) trata-se da fragilidade com que os vínculos são estabelecidos com outras pessoas. Quando este público são crianças, até existem relações afetivas mais intensas, porém são logo escamoteadas por sua condição de abrigamento, como mudanças de casa, rotatividade de funcionários ou outros residentes, sem falar naqueles que deveriam cumprir o lugar de Pai e Mãe, ou não cumpriram seu papel, ou cumpriram pessimamente, ou então, devido à vulnerabilidade social, por exemplo, faltou-lhes a oportunidade. Já com adultos, parece que as relações estabelecidas não são tão intensas assim. Também devido às mesmas condições (mudanças, rotatividade ou até óbitos), estabelecer um vínculo mais forte não parece ser uma boa estratégia, já que o outro logo sairá de cena. Quando alguém vai deixar a instituição, é espantoso como as despedidas são breves e com invisíveis demonstrações emotivas. Isso não quer dizer que, aquele que agora entra em cena não mereça uma “calorosa” recepção. Esse seria o dia seguinte. Termo bem usado, aliás, por algumas pílulas do mercado de consumo: uma tentativa de apagar o "erro" do dia anterior.

Me pergunto se o ser humano não possui memória. Penso se poderia substituir facilmente alguma pessoa que foi muito importante na minha vida... No campo dos relacionamentos temos o famoso “um novo amor para esquecer um antigo amor”. Pode-se até arrumar outro “amor”, e que possua suas semelhanças, mas aquele que uma vez ocupou este lugar, sairá da vida completamente? Serão novas experiências, novas trocas, novos conhecimentos, mas não substitutos. Primeiro pela capacidade do cérebro em armazenar informações, segundo porque se faz laços afetivos. As duas juntas e experimentamos algo chamado saudade. Até o Facebook que conta com a postagem de novas informações a todo momento, dedica-se a uma Linha do Tempo. Gabriel García Márquez dizia que costuma-se dar ao tempo as qualidades do vento...

De um lado temos a pessoa que será deposta de seu cargo, de outro as pessoas com a qual as relações foram estabelecidas. Provavelmente, não sentirei falta do (ex)Presidente Lula, no máximo diria algo sobre seu governo, uma vez que não tive nenhum tipo de laço afetivo com a pessoa, apenas com o cargo, porém não posso dizer o mesmo da professora Iara, tão importante em meus estudos. Veja, em nenhum momento falei da qualidade das relações afetivas, pode ser que passar um mês com uma pessoa seja mais significativo do que passar dez anos com outra. Ponto.

Li em algum lugar e pensei nisso depois, sobre alguém que aconselhava uma outra pessoa que perdeu um amor. Dizia ela: “ninguém substitui ninguém”, achei ótimo.

3 comentários:

  1. Adorei o texto. Fluido e cheio de reflexão. ABS

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  2. Excelente texto! Essa expressão ouvi várias vezes no curso de minha vida terrena, próximo a completar 70 anos. Assim como, acompanhei situações das quais ela se encaixa e minha conclusão foi de que, aquele que sai (o "rei morto") é esquecido até por aqueles que usufruíram das benesses, pois para estes, o que saiu morreu e é totalmente ignorado pelos interesseiros (a grande maioria), passando estes a curvarem-se para o substituto (o "rei posto"). Essa é a vida, lamentavelmente. Mas, aqueles que conhecem a DEUS, superam essa tribulações e adquirem bom ânimo para prosseguir.

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