quarta-feira, 20 de outubro de 2010

"Eu usei drogas"

Então por favor, não me trate como um marginal
             Se o papo for por aí, já começamos mal
(Queimando tudo, Planet Hemp)

Fui procurado recentemente para atender a um jovem que havia feito o uso de maconha. Este pedido chegou através do coordenador do projeto do qual faço parte numa ONG, este coordenador, por sua vez, recebeu a ligação da mãe do jovem. Esta mãe ouviu o relato do próprio adolescente sobre sua experiência com a maconha, numa tarde normal, de um dia normal no meio da semana, após uma partida de vôlei.
Em primeiro lugar é preciso notar a rede que se traçou a partir deste incidente. O jovem, a mãe, o coordenador, eu e, o jovem novamente. Acredito que não seja um círculo, pois não posso dizer que após ter conversado com o rapaz, este tenha novamente falado com sua mãe, esta com o coordenador... Assim, o incidente tenha sofrido distorções, não propositais, mas inevitáveis. Até aqui sem grandes novidades, um adolescente que faz uso de uma substância ilícita em uma roda de amigos, não é lá matéria para noticiários. Entretanto, faz pensar.
Vamos começar do fim. Tive uma conversa muito tranquila com o jovem que disse ter experimentado a maconha por curiosidade, não gostou e não pretende voltar a usar. Tudo o que eu dissesse a partir desse momento seria, no mínimo, sensacionalista. Talvez eu tenha agido com um certo descaso. Ou não? O que, de fato, eu pretendia com essa conversa?
De acordo com o coordenador, a mãe ligou “aflita” para relatar o ocorrido e se poderíamos conversar com o rapaz. Entendo a aflição da mãe, afinal, a mídia fez bem seu papel em divulgar o caminho que as drogas levam. Mas, isso pode ser generalizado? Todo uso de uma droga levará a este mesmo caminho? Lembrando que “droga”, do ponto de vista médico, é toda substância que ingerida, altera o funcionamento do organismo. Assim, a cafeína presente no café pode ser entendida como uma droga, mas nenhuma mulher ligará para conversarmos com seu marido que ingeriu café após almoçar. A preocupação nesse caso se deve ao uso abusivo e (in)consequente de uma substância. Neste caso, a maconha, que frequenta o hall de substâncias perturbadoras do bem moral social. A mãe, portanto, quando nos ligou deveria estar pensando “ele usou drogas!”. Mesmo que houvesse algum histórico na família sobre uso de drogas com um final infeliz, ainda questiono: é possível generalizar?
Quando o coordenador atende à demanda da mãe e nos encaminha o caso, este também deveria estar pensando “ele usou drogas!”. Provavelmente, preocupado com as consequências deste uso, e preocupado com o jovem em questão. Nesse caso, experimentar uma droga, também abre a possibilidade de um caminho com final trágico. Sugestivo, mas incerto. Vale o dito “prevenir é melhor que remediar”. Ok! Foi com esse pensamento que decidimos conversar com o jovem. Fizemos nosso papel, acalmamos a mãe, orientamos o jovem que nos revelou “eu usei drogas!”, e demos o caso por encerrado.    
Devo confessar que também pensei “ele usou drogas!”, mas decidi agir com tranquilidade nessa questão, defendendo que, fazer uso de uma substância ilícita não levará o usuário (aquele que fez o uso!!!) ao abuso, ou ao vício. Não estou fazendo nenhum tipo de apologia, só decidi não dar ouvidos ao apelo sensacionalista que a frase “usou drogas” pode trazer.
Talvez a essa altura, caro leitor, você já tenha percebido qual foi nosso maior erro... Se não percebeu, seja bem vindo ao clube. Vamos rever a cena, após um jogo de vôlei na escola, o jovem se encontra com seus amigos que estavam fumando um baseado, oferecem e ele aceita. Teve seu “barato”, foi para casa ao fim do dia e decidiu contar aos pais que havia fumado maconha. Provavelmente, deve ter levado um sermão dos pais, a mãe liga para a instituição que o jovem frequenta aos sábados para que nós também o orientássemos. Todos deixamos passar um ponto crucial dessa história toda: por que o jovem contou aos seus pais sobre o uso?
O que o motivou a usar a maconha, ou se vai continuar a usar ou não, acabou sendo o tema central, deixamos de lado as motivações que o levaram a noticiar este fato aos pais. Questionar este ponto, provavelmente, teríamos incitado ao diálogo. Mas acabamos optando, tanto de um lado quanto de outro a repreender, prevenir e orientar. Ou seja, optamos pelo sensacionalismo.
De acordo com Freud em seu texto “Repetir, recordar e elaborar”, de 1914, os conteúdos psíquicos esquecidos e/ou reprimidos, não podem ser recordados de outra forma senão pela atuação (acts it out), esses conteúdos são reproduzidos enquanto ação e não como lembranças, repetindo-os sem saber que o está fazendo. Por exemplo, o sujeito que se comporta de forma desafiadora com figuras de autoridade, diz não se lembrar de que agia desta forma com os pais. Da mesma forma, a atitude de nosso jovem com relação às drogas e ao seu desfecho com os pais, permaneceu apenas como ação, ou melhor, como atuação. Sem a possibilidade de expressar-se em palavras esta atuação tende à repetição, quer seja pelo uso de drogas, ou numa outra atitude desafiadora qualquer. Espera-se, entretanto, que o jovem ainda esteja aberto ao diálogo quando isto acontecer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário