sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O Fantasma

Sujeito, objeto e coisa são conceitos distintos, certo?! Essa noção se intensificou no pensamento filosófico, sobretudo a partir de Kant. A coisa não é uma coisa para ninguém. O objeto por outro lado, apela para um sujeito. O termo objeto quer dizer, aquilo que é colocado diante, e consequentemente, aquilo que afeta os sentidos. Essa ideia exige um correlato, aquele que é afetado pelo objeto, deixa o sujeito numa posição de aquele que é subordinado. Lacan vai subverter esse termo, uma vez que, para ele o sujeito da psicanálise é um sujeito barrado, subordinado ao significante, representado na cadeia significante sem nela figurar. Temos ouvido, com uma certa frequência até, que o sujeito do inconsciente é incompleto, marcado por uma falta e que isso produz angústia. Num sentido clássico, o sujeito é um sujeito do conhecimento e o objeto, aquele a ser conhecido.

Lacan vai propor uma fórmula para dar conta dessa relação particular do sujeito com o objeto à qual chamará de fórmula do fantasma:


Para Lacan, o fantasma é justamente isso que "enquadra" a relação do sujeito com a realidade, com seus objetos. Em Freud, temos um fantasma como um cenário imaginário que dramatiza (deformado pelas defesas) a realização de um desejo inconsciente. Nessa concepção o fantasma é simultaneamente a expressão de um desejo recalcado e o protótipo dos desejos atuais conscientes ou inconscientes do sujeito. Complicando um pouco mais, em Lacan, o fantasma tem um pé na linguagem, digamos assim, ao mesmo tempo em que é Imaginário, é também Simbólico que recobrem o Real. A fórmula mostra como o fantasma pode velar a divisão do sujeito e dar seu "quadro" à realidade. A partir do momento em que está na linguagem o sujeito só pode recorrer a linguagem para tentar reencontrar esse objeto, perdido justamente por causa dela.

A fórmula proposta por Lacan pode ser lida da seguinte forma: sujeito barrado punção de a, ou mais posteriormente, sujeito barrado desejo de a. A noção de objeto a (leia objeto pequeno a) é o que permite articular o fantasma. Nas Confissões, de Santo Agostinho, encontramos uma referência usada como encarnação do objeto a para aquele que olha uma imagem de completude, no trecho o santo evoca o ciúme sentido frente à visão de uma criança sugando o seio da mãe. Lacan elege o sinal de punção estrategicamente, em francês é poinçon, significando um ato, processo ou efeito de furar com um instrumento dotado de ponta e também, um instrumento pontiagudo usado para fazer furos ou gravações. Este símbolo se presta a várias operações: o ˆ é o sinal de conjunção; a parte inferior, ou seja, o sinal ˇ refere-se à disjunção; a visão lateral esquerda, < indica menor que; já a visão lateral direita, o sinal >, maior que.

Esses objetos aparecem ligados à relação do sujeito com a questão fálica, o objeto é o que suporta o sujeito no momento em que ele precisa fazer frente à questão de sua existência. Se o objeto a é a primeira perda do sujeito, aquilo que em algum momento instaurou a incompletude, é justamente essa a marca na linguagem. Ao recorrer às palavras percebe-se que estas falham, não podem dizer tudo. Nesse momento de pânico, é ao objeto do desejo que o sujeito se agarra. Lacan usa o exemplo da peça de Molière, O Avarento e sua relação com seu cofre. Na peça o desejo manifesta-se na retenção de um objeto que não dá outro gozo senão o de ser suporte de desejo, na medida em que o retém, o guarda. O cofre garante a permanência do desejo e cumpre uma função causal, uma outra leitura do objeto a é objeto causa do desejo. A questão é que estes objetos, constantemente reencontrados em substitutos não são objetos plenamente satisfatórios, aquele da primeira satisfação. Assim, podemos inferir que, esse objeto encontrado não é o objeto desejado. O sujeito é remetido de objeto em objeto, e o objeto a  é o que causa o desejo, muito mais do que aquilo que ele visa. Percebem de onde vem a angústia ao nos depararmos com a incompletude daquilo que tomamos como causa do nosso desejo? Não à toa, a frase usada pela Santaella em aula foi de que a análise é a travessia do fantasma.

VANIER, Alain. Lacan / Alain Vanier; trad. Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. (Figuras do saber; 13).
CALLIGARIS, Contardo. Hipótese sobre o fantasma na cura psicanalítica. Porto Alegre:  Artes Médicas, 1986.

2 comentários:

  1. foi a explicação mais simple que encontrei sobre o fantasma. Conseguiu me deixar menos angustiada e com a sensação que consegui entender um pouco de Lacan e seu fantasma. Muito obrigada!

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