segunda-feira, 19 de março de 2012

O caminho de volta

"O gato bebe leite, o rato come queijo e eu sou palhaço. E você?"

Encontramos pessoas que, geralmente se definem em busca de seus sonhos. Estão correndo atrás de sucesso, dinheiro, felicidade, ou até mesmo comprar um ventilador... enfim, de uma vida melhor daquela que levavam. Assistir ao filme "O Palhaço", sob a direção de Selton Mello, me fez pensar - de uma forma bem emocionada, confesso - no caminho de volta que se faz em situações assim.

Claro, existe algo de pessoal nestas palavras, pois o filme acompanha os integrantes de um modesto circo no, ao que parece, interior mineiro. Mais especificamente, o filme conta a história de Benjamim, um palhaço que está perdendo a graça e vai redescobrindo o prazer por aquilo que faz. Digo pessoal porque tive a honra de assistir a muitos espetáculos circenses em circos tão humildes quanto ao que é retratado no filme. O que conhecia por peças teatrais eram encenadas sobre um picadeiro. Outro ponto é a estrada que o circo toma entre suas apresentações, estas são rodeadas pela cana-de-açúcar. Esta planta é uma das principais culturas trabalhadas na região de minha terra natal, no interior paulista. Isto tornava meus passeios de bicicleta pelos sítios alheios com uma paisagem singular, e repetitiva. Sem falar na simplicidade das cenas retratadas no filme e, na simplicidade de minha infância numa cidadezinha de pouco mais de 5 mil habitantes.

Voltando ao filme, Benjamim (Selton Mello) parece estar sobrecarregado em seu trabalho, naquilo que desempenha como palhaço. Logo no começo do filme dizem a Benjamim que este deveria ter um ventilador. Este parece ser o único pedido voltado ao próprio palhaço, o restante dos pedidos são para Benjamim resolver, o adiantamento dos músicos, o conserto do caminhão, os cuidados com os trapezistas, o sutiã que arrebentou... Não é claro para Benjamim sua busca, a não ser o ventilador. Em um momento diz a seguinte frase: "Pai, acho que eu não tô dando conta", é certo que a graça voltada aos outros parece estar se esvaindo para aquele que deveria ser seu portador. Mas o que fazer? Sem identidade, CPF e comprovante de residência, Benjamim não é diferente de muitos de nós. Não porque possuímos (ou não) CPF ou comprovante de residência, tampouco identidade, que num sentido metafórico pode referir-se não só ao documento, mas também às características de um sujeito. O que quero dizer é que em alguns momentos somos reduzidos a isso. Se para nós que portamos documentos que nos identificam e, consequentemente, acabam nos definindo isso faz com que meus títulos se sobreponham a minha pessoa. Por exemplo, se quero comprar uma TV e tenho o "nome sujo" no Serasa, pouco importa se no dia anterior salvei uma família inteira de um acidente trabalhando como bombeiro, o fato é que não comprarei a TV, ao menos parcelada. As leis de mercado são objetivas e não subjetivas, mas não significa que meus desejos também sejam assim. Para Benjamim que não possui identidade (o documento), deve se descobrir ou se afirmar de uma outra maneira, mais subjetiva, digamos assim. Daí a crise. A quantidade de elementos dispostos a ajudarem a nos definirmos objetivamente é incontável, novelas, roupas, móveis, carros, BBB, presentes, trabalho, músicas... No meio de tudo isso, o que de fato buscamos?

Se em algum momento nos sentimos perdidos diante da pergunta que acabei de fazer, como podemos sentir a satisfação de trilhar o caminho de volta de nossa busca? Vou tentar explicar melhor. Fica simples quando desejamos comprar um objeto qualquer, por exemplo. No momento da compra, sentimos que todo o esforço valeu a pena. Ao retornar para casa chegamos a exibir suntuosamente nossa aquisição. Sentimos os "olhares invejosos" de terceiros. Contudo, isso dura até o dia seguinte, no momento em que um novo objeto assume nosso desejo. Percebem como o pressuposto "todo esforço" se invalida? Diferentemente - e aqui é apenas a minha opinião - quando podemos nos definir por aquilo que somos. Quando nosso desejo é simplesmente ser desejante. Quando percebemos que qualquer esforço vale a pena, o que não é o mesmo que dizer "todo esforço". Quando sabemos que não somos de fato aquilo que desejamos ser, e que no fundo talvez nunca seremos, mas isso não impede de perceber que no fim do dia tivemos a chance de ser melhor do que fomos. O caminho de volta ao descobrir a simplicidade de viver está a cada passo, só não o percebemos. Mesmo que seja buscar um amor que não está lá, o importante nisso tudo talvez seja reconhecer o desejo. Temos aqui um bom uso para a metáfora do ventilador. Para Benjamim a graça do palhaço Pangaré não difere muito da graça de Benjamim enquanto sujeito. Esta busca é algo que não está em um único objeto, ou em um único desejo. Nem definida por idealismos deterministas. Em situações assim portar algo que ventila a dor é suficiente. 

Todo caminho de volta deveria ser assim:

2 comentários:

  1. Bom texto!

    E saudades de convesar com você!!!

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    1. Brigadão, Acacio! Não teria escrito o texto se não tivesse em contato com vcs aí do Projeto Raiz... Vc entendeu, não é?! rs Vez em quando, preciso de umas injeções de esquerda! Grato pela oportunidade!

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