segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A escrita e a loucura ... A loucura e a escrita



Assim como Rubem Fonseca se autoriza a dizer que escrever é uma forma socialmente aceita de loucura, da mesma forma, há na loucura uma forma socialmente aceita de escrita. Em outras palavras, a escrita permite ao louco uma organização que lhe escapa na fala. Esta mesma (des)organização é o que põe o psicótico à margem do que estamos nomeando como "socialmente aceito", pois aqueles que aceitam, seguem a lógica neurótica. Não quero citar James Joyce!

Ao passo em que tiramos a loucura das sombras, da condição de código classificatório, da dissociação de funções, do déficit, ela então tem algo a nos ensinar, revela o que está no dito normal. Sendo assim, tem a ver com qualquer um.

Lacan se questionava em seu Seminário (Livro 3 - as psicoses), sobre o que diz o sujeito num certo período de seu delírio? "Que há significação. Qual, ele não sabe, mas ela vem no primeiro plano, ela se impõe, e para ele ela é perfeitamente compreensível". Se fica fora dos discursos neuróticos é só porque os significantes deslizam numa cadeia outra. Se podemos admitir que há linguagem na psicose, podemos também concordar que da mesma forma, há psicose na linguagem.

Na psicose, alguma coisa que é da ordem da letra falha. Toma-se as palavras à letra, assim a frase "se afogar num copo d'água" pode ser o suficiente para que um esquizofrênico se recuse a beber água, a não ser numa garrafa. Freud já adiantava esta distinção entre letra e palavra no capítulo 7 de O Inconsciente. Dizia que as palavras são elementos constitutivos do sistema Consciente/Pré-consciente. "A representação consciente compreende a representação de coisa, mais a representação de palavras que lhe pertence; a representação inconsciente é representação apenas de coisa". Ora, isso não explica a possibilidade de se metaforizar, típico da neurose? Já aquele que tem seu funcionamento, seu modus operandi, estruturado numa psicose as metáforas, ou melhor, a representação de coisa + representação de palavra, fica desarticulada. O ato da escrita oferece a possibilidade desta junção.

O psicanalista Christian Dunker escreveu um artigo em que relaciona o enlouquecimento de Syd Barret e suas composições no Pink Floyd, numa espécie de universalidade contida na experiência da psicose. "...Barret está fora do discurso, mas não fora da linguagem." Desta forma, "...é fácil perceber que Pink Floyd está para a música como Joyce está para a literatura", diz o autor.

Ao escrever, ao estar preso/livre nas cadeias que o ato de escrever promove, o psicótico, pode se dar ao luxo de também ser comparado ao escritor imaginativo, letrado, inteligente. E, agora noutro sentido: louco!

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