quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Intervalo

"(...) - Vamos, peixe - disse o velho. Mas o peixe não veio. Em vez disso, continuava a flutuar no mar, e o velho pescador teve de levar a canoa para junto dele. 

Quando se aproximou dele e a cabeça do espadarte ficou junto do costado, o velho não quis acreditar no seu tamanho. Desprendeu a linha do arpão do poste, passou-a pelas nadadeiras do peixe, deu-lhe uma volta pela espada e em seguida passou a linha pela outra nadadeira deu outro nó na espada e atou a linha duas vezes, prendendo-a com força ao poste da proa. Cortou o resto da linha e foi à popa para laçar a cauda. O peixe tornara-se prateado, não tinha mais o original tom purpúreo e prateado de antes, e as listras haviam tomado o mesmo tom violeta-pálido da cauda. Eram manchas maiores do que a mão de um homem com os dedos abertos e os olhos do peixe pareciam tão destacados como a parte superior de um periscópio ou um santo numa procissão.

- Era a única maneira possível de matá-lo - disse o velho. Sentia-se melhor desde que bebera a água, sabia que já não perderia os sentidos e tinha a cabeça bastante lúcida.

'Com o tamanho que tem, deve pesar mais de quinhentos quilos. Talvez muito mais. Quanto será, se aproveitar dois terços a trinta cents o quilo?'

- Preciso de um lápis para fazer a conta - disse o velho. - Não tenho cabeça boa para contas. Mas penso que o grande DiMaggio se orgulharia muito de mim hoje. Não tenho esporas de osso. Mas as costas e as mãos doem-me de verdade. Gostaria de saber o que é uma espora de osso. Talvez eu tenha uma sem o saber. 

Prendeu o peixe fortemente à proa, à popa e ao banco transversal. Era tão grande que mais lhe parecia estar atando à sua canoa um barco muito maior. Cortou um pedaço de linha e amarrou a mandíbula inferior à espada para que a bocarra não pudesse abrir-se e navegassem da melhor maneira possível. Depois fixou o mastro e, com a vara que fazia de carangueja e com os botalós armados içou a vela. O barco começou a mover-se, e com a popa meio metida na água dirigiu-se para sudoeste.

Não precisava de uma bússola para lhe indicar onde ficava o sudoeste. Só precisava sentir os ventos alísios e o enfunar da vela. Seria bom lançar na água uma linha curta com um anzol giratório, para pescar qualquer coisa para comer e depois beber algo. Mas não conseguiu encontrar nenhum anzol, e as sardinhas já estavam estragadas. Por isso, com o arpão enganchou um molho das algas amarelas do golfo e agitou-o fortemente para que os pequenos camarões que ali se haviam abrigado caíssem na coberta do barco. Havia mais de uma dúzia deles e começaram todos a saltar como pulgas da areia. O velho cortou-lhes as cabeças com o polegar e o dedo indicador e comeu-os, mastigando também as cascas e as caudas. Eram muito pequenos mas deliciosos, além de ótimo alimento.

Ainda lhe restava um pouco de água na garrafa ele bebeu a metade, depois de comer os camarões. A canoa estava navegando bastante bem, apesar das desvantagens, e ele ia conduzindo o barco com o leme debaixo do braço. De onde se encontrava, podia ver o peixe e tinha apenas de olhar para as mãos e sentir as costas encostadas à popa para saber que aquilo realmente acontecera e não era um simples sonho. Certo momento, quando estava se sentindo muito mal, quase no fim da luta, pensara que talvez se tratasse de um sonho. Depois, quando viu o peixe dar o salto final e erguer-se no ar, ficando como que suspenso acima dele, tivera a certeza de que havia qualquer coisa de muito estranho e não pudera acreditar. Mas então quase não via nada; agora enxergava perfeitamente, como sempre.

Sabia que o peixe estava de fato ali, e suas mãos e costas não eram nenhum sonho. 'As mãos curam-se depressa', pensou o velho. 'O sangue limpou-as, e o sal da água fará com que cicatrizem. A escura água do golfo é o melhor remédio para isso. Tudo o que preciso fazer é conservar a cabeça lúcida. As mãos cumpriram sua obrigação e estamos navegando bem. Com sua boca fechada e a enorme cauda a erguer-se no ar, navegamos os dois como irmãos.' Começou a sentir-se de novo tonto e perguntou a si próprio: 'Será que é ele que está me arrastando ou eu que o estou rebocando? Se eu fosse atrás dele, a reboque, não haveria dúvida. O mesmo sucederia se o peixe estivesse dentro da canoa, com toda a sua dignidade derrotada: dessa forma também não haveria a menor dúvida.' Mas estavam navegando os dois juntos, um ligado ao outro, e o velho pensou: 'Que ele me reboque, se isso lhe agrada. Só consegui ser melhor do que ele por meio de uma traição, e ele não me desejava nenhum mal'.

Estavam navegando bem, e o velho molhava as mãos na água e tentava manter-se lúcido. Por cima deles viam-se cúmulos e cirros, e o velho sabia que isso queria dizer que a brisa duraria a noite toda. O velho pescador olhava constantemente para o peixe, para ter a certeza de que aquilo era verdade. Já havia decorrido uma hora quando o primeiro tubarão o atacou (...)"

 O Velho e o Mar - Ernest Hemingway

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