quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Moinhos de vento

"(...) Nisso, descobriram trinta ou quarenta moinhos de vento que há naquele campo, e, assim que D. Quixote os viu, disse a seu escudeiro:

- A ventura está guiando nossas coisas melhor do que pudéramos desejar; porque, como podes ver, amigo Sancho Pança, ali se descobrem trinta ou poucos mais descomunais gigantes, com os quais penso travar batalha para tirar a vida de todos, com cujo despojo começaremos a enriquecer, porque esta é boa guerra, e é grão serviço a Deus tirar tão má semente da face da terra.

- Que gigantes? - disse Sancho Pança.

- Aqueles que ali vês - respondeu seu senhor -, dos braços longos, que os costumam ter alguns de quase duas léguas.

- Veja vossa mercê - respondeu Sancho - que aqueles que ali aparecem não são gigantes, mas moinhos de vento, e o que neles parecem braços são as pás, que, giradas pelo vento, fazem mover a mó.

- Bem se nota - respondeu D. Quixote - que não és versado em aventuras: eles são gigantes; e se tens medo sai daí, e põe-te em oração enquanto eu vou entrar com eles em fera e desigual batalha.

E, dizendo isso, esporeou seu cavalo Rocinante, sem atender aos gritos que seu escudeiro Sancho lhe dava, advertindo-o de que sem dúvida alguma eram moinhos de vento, e não gigantes, aquele que ia acometer. Mas ele estava tão convencido de que eram gigantes, que nem ouvia os gritos do escudeiro Sancho nem conseguia ver, conquanto estivesse já bem perto, o que eram, antes ia dizendo aos brados:

- Não fuxais, cobardes e vis criaturas, que é um só cavaleiro quem vos acomete.

Levantou-se nisso um pouco de vento, e as grandes pás começaram a mover-se, razão por que, vendo-o D. Quixote, disse:

- Pois, ainda que movais mais braços que os do gigante Briaréu, mo haveis de pagar.

E, em dizendo isto, e encomendando-se de todo o coração à sua senhora Dulcinéia, pedindo-lhe que em tal transe o socorresse, bem coberto por sua rodela, com a lança em riste, arremeteu a todo o galope de Rocinante e investiu contra o primeiro moinho que tinha pela frente; e, dando uma lançada na pá, girou-a o vento com tanta fúria, que fez a lança em pedaços, levando atrás de si o cavalo e o cavaleiro, que foi rodando em mui mau estado pelo campo. Acorreu Sancho Pança em seu socorro, a todo o correr de seu asno, e quando chegou viu que não podia mexer-se: tamanho fora o baque que com ele levara Rocinante.

- Valha-me Deus! - disse Sancho. - Não disse eu a vossa mercê que visse bem o que estava fazendo, que não passavam de moinhos de vento, e que só o podia ignorar quem tivesse outros na cabeça?

- Cala-te, amigo Sancho - respondeu D. Quixote -, que as coisas da guerra, mais que outras, estão sujeitas a contínua mudança; tanto mais que eu penso, e é verdade, que aquele sábio Frestão que me roubou o cômodo e os livros transformou estes gigantes em moinhos para tirar-me a glória de seu vencimento: tamanha é a inimizade que me tem; mas, ao fim e ao cabo, hão de poder pouco suas más artes contra a bondade de minha espada.

- Faça Deus o que puder - respondeu Sancho Pança. (...)"

O engenhoso fidalgo D. Quixote da Mancha - Miguel de Cervantes Saavedra

Nenhum comentário:

Postar um comentário