segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os tabus e as neuroses obsessivas

Assistir o documentário Tabu - Práticas perturbadoras, exibido pela Nat Geo, é para quem tem estômago, ou melhor, para deixá-lo vazio, pois segue o raciocínio "se assistir não jante!" Mas, o que nos faz obedecer certos tabus em nossa sociedade e ao mesmo tempo repudiar outros em diferentes culturas? 

Percebe-se que não só os ritos e cerimônias estão sujeitos às interdições ou obediências dos tabus, mas pode-se encontrar estas mesmas características ritualísticas e rigorosas em muitas pessoas. Me lembro da cena do filme Melhor Impossível (1997), onde Melvin (Jack Nicholson) ao entrar em casa precisa girar a chave um determinado número de vezes, assim como acender e apagar a luz. Me lembrei também de uma cena da minha infância, que era o seguinte: quando alguém via um calçado meu virado de cabeça para baixo diziam: 

- Se não desvirar seu chinelo sua mãe vai amanhecer morta!  

Nem preciso dizer que em minha casa não existem sapatos virados com a sola para cima... Esquisitices à parte, existe mesmo uma ligação para estas situações? Mas, qual seria?

Freud afirma em seu textoTotem e tabu, de 1913, que o termo "tabu" vem da Polinésia, o que em outros locais possui nomes diferentes, assim como a palavra "sacer" para os romanos, "ayos" para os gregos e, provavelmente a palavra "kadesh" dos hebreus, possuíam a mesma significação. O significado de tabu aponta para dois sentidos contrários, por um lado significa sagrado, e por outro assume também o tom de misterioso, proibido, impuro.

Tanto de um lado quanto de outro, temos que o termo tabu tem o caráter restritivo, porém distinto das restrições morais ou religiosas. Apesar do tabu não se basear em nenhuma ordem divina, pode-se dizer que se impõe por sua conta própria. É também diferente das proibições morais por não se enquadrar em nenhum sistema que diga que certas abstinências devem ser observadas e apresente motivos para tal necessidade. "As proibições dos tabus não têm fundamento e são de origem desconhecida. Embora sejam ininteligíveis para nós, para aqueles que por elas são dominados são aceitas como coisa natural", afirma Freud.

Os tabus abrangem o caráter sagrado ou impuro de pessoas ou coisas, a espécie de proibição resultante desse caráter, e a santidade (ou impureza) que retorna de uma violação da proibição. Seus objetivos são numerosos, dentre eles, visam à proteção de pessoas importantes contra o mal, ou então protegem os fracos, como as crianças, mulheres e pessoas comuns em geral, da influência mágica de chefes e sacerdotes; à precaução contra os perigos oriundos do contato com cadáveres, ou ingestão de certos alimentos; à guarda dos principais momentos da vida (nascimento, iniciação, casamento e atividades sexuais) contra interferências; servem também para proteger o povo contra a ira dos deuses e espíritos; e muitas vezes, os tabus protegem a propriedade de um indivíduo contra eventuais ladrões. Por detrás destas proibições parece haver uma espécie de teoria de que elas são necessárias, onde certas pessoas ou coisas estejam carregadas de um poder perigoso que pode ser transferido através do contato, quase como uma infecção. Via de regra, a violação de um tabu transforma o próprio transgressor num tabu.

Freud aproxima a ideia dos tabus com as proibições das neuroses obsessivas, sendo ambas destituídas de motivos e misteriosas em suas origens. Surgida em um momento não especificado, a proibição obsessiva é forçosamente mantida por um medo irresistível, sem que para isso, seja apresentada uma ameaça externa de punição. Há sim, uma certeza interna, uma convicção moral de que qualquer violação conduziria à desgraça insuportável. "O máximo que um paciente obsessivo pode dizer sobre esse ponto é que tem uma sensação indefinida de que determinada pessoa do seu ambiente será atingida como resultado da violação." Estas ideias obsessivas estão extremamente sujeitas ao mecanismo que Freud descreve como deslocamento. Estendem-se de um objeto a outro por quaisquer caminhos que possa proporcionar a esse novo objeto (pessoa, objeto, determinada ação, ou até mesmo um pensamento) um caráter de "impossível", até que finalmente o mundo inteiro jaz sob um embargo de "impossibilidade", pois tudo àquilo que possa entrar em contato com o objeto proibido, assume também suas características.

Um ponto determinante destas ideias obsessivas liga-se à infância, mais especificamente a uma repressão infantil. Os motivos da proibição (que é consciente - a proibição e não os motivos), permanecem desconhecidos (inconscientes) e todos os esfoços para eliminá-los através de processos intelectuais tendem a falhar, pois não encontram qualquer base de ataque. A proibição deve sua força e seu caráter obsessivo ao seu oponente inconsciente, a um desejo oculto que se desloca constantemente, a fim de fugir do impasse, e se esforça em encontrar objetos e/ou atos substitutos para colocar no lugar dos proibidos. Como consequência disto, a própria proibição também se desloca de um lado para outro, estendendo-se a quaisquer novos objetivos que o impulso possa adotar.

Freud propõe que temos uma contrapartida exata do ato obsessivo, no qual o impulso suprimido e o impulso que o suprime encontram uma satisfação simultânea e comum. O ato obsessivo é ostensivamente (parte consciente) uma proteção contra o ato proibido, mas na realidade (parte inconsciente) trata-se de uma repetição deste.

"(...) descobrimos que um dos aspectos do caráter dos neuróticos obsessivos é uma escrupulosa conscienciosidade que é um sintoma reagindo contra a tentação a espreitar no inconsciente. Se a doença se torna mais aguda, desenvolvem um senso de culpa do mais intenso grau."

Caso os impulsos cheios de desejo forem reprimidos, sua libido se transformará em ansiedade, inerente à sensação de culpa correspondente ao fator desconhecido. O que se escuta dos pacientes obsessivos em análise é que caso efetue alguma ação proibida, o castigo cairá sobre uma outra pessoa, via de regra, não enunciada, mas em geral uma pessoa próxima e querida, enquanto que a violação dos tabus recaem sobre quem quer que tenha sido responsável pela desonra.

O fato de não aceitarmos alguns costumes diferentes aos nossos, reforçam a ideia de que estas pessoas sejam impuras, a culpa que lhes falta, assumimos que "tarda, mas não falha" e o castigo logo lhes cairá. Da mesma forma, os rituais obsessivos também devem ser seguidos rigorosamente, pois seu descumprimento trará graves consequências. Enquanto puderem ser mantidos, tudo bem! Mas, e quando estes tabus e rituais acabam ocupando toda uma existência? Ah, duvida?! Pois, deixe de conferir se realmente trancou a porta esta noite pra ver o que acontece...

Tabus - Práticas Perturbadoras: http://www.fileserve.com/file/FWHUc53



4 comentários:

  1. Engraçado isso, não sei se por já ter visto gente demais ficar mal por isso, tento sempre evitar pensamentos obsessivos, mas é quase impossível. Eles sempre aparecem. Seja ligando e desligando o alarme do carro várias vezes ou mesmo desvirando chinelos, prática tb ensinada na minha família quando pequeno. A razão perde frente a essas obsessões. O jeito é arriscar, dormir com o chinelo virado ou acreditar que já ligou, sim, o alarme do carro. Se no outro dia vc acordar sem carro ou sem mãe... bem, é hora de rever os tabus rs.
    Texto genial Paulo!

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  2. Denso o texto. Estou tomando coragem para ver o doc.rsrs Assim que terminar Mal estar na cultura, corro para o Totem e Tabu, que apenas peloas quotes já dá para percerber que é um ótimo texto. Obrigado Paulo.

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  3. Pior é que os textos não param por aí, Bruno!

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