sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

a relação de objeto

Lacan (1995, pg. 10) introduz as relações de objeto partindo de alguns pontos já articulados por Freud, ao mesmo tempo em que retoma o esquema Z, antes exposto no Livro 1, Os escritos técnicos de Freud. Neste esquema, Lacan (idem, ibidem) reforça sobre a inscrição da relação do sujeito com o Outro, com um outro sujeito na medida em que este Outro é capaz de enganar, ou melhor, é através desta fala virtual pela qual o sujeito recebe do grande Outro sua própria mensagem, desta vez, sob a forma de uma palavra inconsciente. Contudo, desconhecida ao sujeito, esta fala lhe é interditada, deformada, estagnada, interceptada pela interposição da relação imaginária entre a e a’.
A última divisão dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, de Freud publicado em 1905, já falava sobre o objeto, o título desta divisão é justamente “A descoberta do objeto”.  A cada vez em que se entra em jogo a noção de realidade, implicitamente está se falando sobre o objeto, de outra forma também, fala-se deste a cada vez em que é implicada a ambivalência de certas relações fundamentais, isto é, o fato de que o sujeito é objeto para um outro, que existe um certo tipo de relações em que a reciprocidade, pelo viés de um objeto, é constituinte. Segundo Lacan (idem, pg. 13), “Freud insiste no seguinte: de toda maneira, para o homem, de encontrar o objeto é, e não passa disso, a continuação de uma tendência onde se trata de um objeto perdido, de um objeto a se reencontrar.” Não estamos falando aqui do objeto típico, do objeto por excelência, harmonioso, tipicamente considerado na teoria moderna, de que vem a fundar o homem numa realidade adequada, neste caso, o objeto genital. Justamente no momento em que está pensando na teoria da revolução instintual, tal como esta se origina das primeiras experiências analíticas, Freud indica que o objeto é apreendido pela via de uma busca do objeto perdido. Este, que corresponde a um estágio avançado da maturação dos instintos, trata-se de um objeto reencontrado desde o primeiro desmame, o objeto que foi inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança.
Uma nostalgia liga o sujeito ao objeto que em algum momento se perdeu, através da qual se exerce todo o esforço da busca. Isto de fato, cria uma discordância pela repetição. Marca a redescoberta do signo de uma repetição impossível, já que este não é o mesmo objeto perdido, nem poderia sê-lo. A primazia desta dialética instaura uma tensão fundamental no centro da relação sujeito-objeto, fazendo com que o que é procurado não seja procurado da mesma forma com o que será encontrado. Em outras palavras, é através de uma busca por uma satisfação passada que o novo objeto é procurado e, quando encontrado é apreendido noutro ponto, que não aquele onde o procura.
 A relação entre o sujeito e o objeto garante uma reciprocidade entre as partes, assim como o sujeito e sua imagem no espelho. Lacan, já formulou no Estádio do espelho esta relação, no momento em que a criança reconhece sua própria imagem. Longe de conotar apenas o fenômeno que marca o desenvolvimento da criança, ilustra também o caráter de conflito da relação dual.
Ora, não é na via da consciência que o sujeito se reconhece, existe uma outra coisa, um mais-além. Centrado agora em função de um objeto, assim como um objeto ideal é literalmente impensável, numa outra perspectiva este objeto torna-se um ponto de mira, um ponto de chegada para o qual concorre toda uma série de experiências, de elementos, de noções parciais do objeto. O sujeito é caracterizado por este objeto, que serve para mascarar, enfeitar o fundo fundamental de angústia que caracteriza, nas diferentes etapas do desenvolvimento do sujeito em sua relação com o mundo. O objeto encerra o sujeito numa fortaleza, no interior da qual ele se põe ao abrigo dos medos, típicos, por exemplo, das fobias. O medo dá ao objeto seu papel, num momento determinado de uma certa crise do sujeito, não sendo por isso, nem típica nem evolutiva. Para Lacan (Idem, pg. 22) “o objeto tem uma certa função de complementação com relação a alguma coisa que se apresenta como um furo, até mesmo como um abismo da realidade.
A questão que se coloca neste momento é, justamente, determinar de qual furo está-se falando. O objeto inicialmente, se apresenta numa busca do objeto perdido. O objeto é então o objeto redescoberto, tomado ele próprio numa busca, onde não se sustenta a ideia de objeto acabado. Já se falou sobre a noção do objeto alucinado sobre um fundo de realidade angustiante, tal como Freud faz surgir do sistema primário do prazer. Oposto a isto, na prática analítica, existe a noção do objeto que se reduz ao real. Não se destaca mais sobre um fundo de angústia, mas sobre o fundo de realidade comum. Já um terceiro tema a que o objeto aparece é o da reciprocidade imaginária, em toda relação do sujeito com o objeto, o lugar do termo em relação é simultaneamente ocupado pelo sujeito.
A identificação com o objeto está no fundo de toda relação com este. Lacan (1995) chamou a isto de imperialismo da identificação, ou seja, já que um sujeito pode se identificar com outro, e o outro com este, trata-se dos dois o que o eu tem a melhor adaptação à realidade, será o melhor modelo.
 A noção de relação de objeto é impossível de compreender se não pusermos nela o falo como um elemento terceiro da relação. Seja qual for a relação imaginária, está modelada numa certa relação, efetivamente, fundamental. A relação mãe-criança é feita realmente para dar uma ideia de que se trata de uma relação real, fato a que se dirige a situação analítica. É impossível fazer intervir este elemento imaginário sem que se apresente como um ponto central da noção de relação de objeto, o que se pode chamar de falicismo da experiência analítica. Entretanto, não devemos nos apressar e reduzir esse falicismo imaginário a qualquer dado real que seja. Quando se busca a origem de toda a dialética analítica na ausência da trindade dos termos simbólico, imaginário e real, só se pode referir-se ao real. Mas, afinal o objeto é ou não o real? O que se encontra no real é o objeto?
A noção de falicismo implica por si mesma o desprendimento da categoria do imaginário. Mas, antes de se falar disso é preciso que se formule a questão do quer dizer a posição recíproca do objeto e do real. Quando se fala do real, pode-se visar coisas diferentes, em primeiro lugar, trata-se do conjunto daquilo que acontece efetivamente. Já na análise, faz-se um outro uso da noção de realidade, que é muito mais importante e nada tem a ver com o precedente. Com efeito, a realidade é posta em jogo igualmente no princípio de realidade assim como no princípio de prazer.
Lacan (1995) vai ilustrar seu pressuposto através da análise que o psicanalista inglês, Winnicott, fez sobre o que chamou de transitional object, ou transição de objeto ou então simplesmente, fenômeno transicional. Nesta noção, Winnicott observa que nos interessamos mais pela função da mãe, considerando-a decisiva na apreensão da realidade para a criança. A oposição dialética e impessoal do princípio de realidade e princípio de prazer, foi substituída por atores. “O princípio de prazer, nós o identificamos com uma certa relação de objeto, isto é, a relação com o seio materno, enquanto o princípio de realidade foi identificado por nós ao fato de que a criança deva aprender a dele se abster” (Lacan, 1995, pg. 33).
Segundo Winnicott, para que tudo corra bem, para que a criança não seja traumatizada, é preciso que a mãe opere estando sempre ali no momento necessário, vindo colocar no momento da alucinação delirante da criança, o objeto real que a satisfaz. Desta forma, a criança não tem como distinguir entre o que é da ordem da satisfação fundada na alucinação do princípio, ligada ao funcionamento primário, e a apreensão do real que a preenche e satisfaz efetivamente. Cabe à mãe ensiná-la, progressivamente, a submeter-se às frustrações e amo mesmo tempo a perceber, sob a forma de uma tensão inaugural, a diferença que existe entre a realidade e a ilusão. Nesse sentido, no interior de tal dialética é inconcebível que qualquer coisa possa se elaborar que vá além da noção de um objeto estritamente correspondente ao desejo primário. A grande diversidade dos objetos, tanto instrumentais quanto fantasiosos, que estão presentes no desejo humano, é impensável nesta dialética, ao passo em que esta se encarne em dois atores reais, a mãe e a criança. Todos os objetos dos jogos das crianças são objetos transicionais.
Seguindo esta linha de raciocínio, é a estes objetos que alguns analistas são sempre levados a procurar explicar a origem de um fato como a existência de um fetiche sexual.  São levados a buscar, pontos comuns entre o objeto na criança e o fetiche que vem ocupar o primeiro plano das exigências objetais para a satisfação sexual. Um lenço furtado à mãe, um ponta de um lençol, ou alguma parte da realidade posta acidentalmente ao alcance da criança são vistas, apesar de chamadas de transicional, não como um período intermediário, mas sim um período permanente do desenvolvimento da criança. O que se esquece nesta dialética, adverte Lacan (1995, pg. 35) é a noção da falta do objeto.
A falta do objeto não é um negativo, mas a própria mola da relação do sujeito com o mundo. Desde seu início a análise da neurose começa pela noção da castração. Acredita-se falar sempre dela como se falava no tempo de Freud. Falamos bem mais é da frustração e, há ainda um terceiro termo de que se fala, a noção de privação. Estas três coisas não são equivalentes.
Se nos referimos à privação, é na medida em que o falicismo (a exigência do falo) é o ponto principal de todo o jogo imaginário no progresso conflitual que é descrito pela análise do sujeito. É somente a propósito deste real, como uma coisa inteiramente distinta do imaginário que se pode falar em privação. Parece ser um problema maior que, um ser apresentado como uma totalidade possa sentir-se privado de algo que, por definição, ele não tem. Diz-se que a privação em sua natureza de falta, é uma falta real. Um furo.
A noção de frustração refere-se a um dano. É uma lesão, um prejuízo que, tal como temos o hábito de vê-lo se exercer, é sempre um dano imaginário. Por essência, a frustração é o domínio da reivindicação. Diz respeito a algo que é desejado e não obtido, mas que é desejado sem nenhuma referência a qualquer possibilidade de satisfação, nem de aquisição.
A castração, por sua vez, foi introduzida por Freud de uma forma absolutamente coordenada à noção da lei primordial na interdição do incesto e na estrutura do Édipo. A castração só pode se classificar na categoria da dívida simbólica.
Tem-se agora, a partir destas três definições: dívida simbólica, dano imaginário e furo, ou ausência real. A isto, deu-se o nome de três termos de referência da falta do objeto. Entretanto, o que é o objeto que falta nesses três casos? No nível da castração isto fica mais claro. Afinal, na medida em que é constituída pela dívida simbólica, a alguma coisa que sanciona a lei e que lhe dá seu suporte e seu inverso, fica claro que não se trata de um objeto real. O objeto é imaginário e isto deve fazer levantar a questão do que é o falo. O objeto da frustração em contrapartida é realmente, em sua natureza, um objeto real, por mais imaginária que a frustração seja. É sempre de um objeto real que o sujeito sente falta enquanto que, o objeto da privação não passa jamais de um objeto simbólico. Por exemplo, quando se pede um livro numa biblioteca, e é dito que este não está em seu lugar, ele pode estar bem ao lado, mas ainda assim, é faltante no seu lugar.

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