sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Sobre os sonhos

Concordo que a leitura da Interpretação dos Sonhos é essencial, mas deve-se levar em conta o objetivo de Freud com este livro. Numa conferência ele dizia que foi através da teoria dos sonhos que a psicanálise progrediu de “método psicoterapêutico para análise profunda” (Conferência XXIX, Vol. XXII). Além disso, não havia nada de similar em toda a jovem ciência, tirando a interpretação dos sonhos das crenças populares e do misticismo conferindo a esta um caráter científico (Conferência XXIX, Vol. XXII), o que era sua grande preocupação. Portanto o ato de se debruçar sobre o conteúdo onírico é, antes de tudo, um meio de se analisar o sujeito, não aquele que sonha, pois todos sonhamos, mas sim aquele que pode falar do sonho e esteja disposto a submeter este material a análise. No livro Interpretação dos Sonhos, Freud vai procurar mostrar ao jovem psicanalista que analisar os sonhos aponta para um sentido dentro da neurose, em outra conferência ele já adiantava que:
Um dia descobriu-se que os sintomas patológicos de determinados pacientes neuróticos têm um sentido (...) Acontecia que no decurso desse tratamento os pacientes, em vez de apresentar seus sintomas, apresentavam sonhos. Com isso, surgiu a suspeita de que também os sonhos teriam um sentido (...) supondo-se que todos os seres humanos fossem normais contanto que sonhassem, nós, partindo de seus sonhos, poderíamos chegar a quase todas as descobertas a que nos levou a investigação das neuroses.” (Conferência V, Vol. XV).
Entretanto, este sentido é algo que se deve chegar ao final da leitura de todo o livro sobre a Interpretação. Freud vai passar um bom tempo do livro revisando a literatura científica que trata dos sonhos, e isto leva algumas páginas do livro. Assuntos referentes aos estímulos e às fontes, o sentido moral dos sonhos, as teorias do sonhar e sua função, são tratados aqui a partir da visão de autores que abordaram estes assuntos em suas obras. Só então é que Freud passa a tratar os sonhos a partir da psicanálise, oferecendo modelos de sonhos e possíveis análises, assim como vai tecendo toda uma rede de sua nova teoria sobre a arte de interpretar os sonhos e a relevância de seu método no tratamento das neuroses. Nestes momentos podemos encontrar pontos que são fundamentais para toda a teoria psicanalítica, assim como a noção sobre a condensação e o deslocamento presentes no trabalho dos sonhos, o que mais tarde foi usado por Lacan para elaborar os conceitos de metáfora e metonímia.
Acompanhar como as técnicas da psicanálise podem ser empregadas na interpretação dos sonhos vai esclarecendo os conceitos de inconsciente, recalcamento, regressão, e outros, mas acima de tudo vai orientando ao terapeuta como este pode usar em seu consultório da mesma técnica para se chegar a um processo de análise do sujeito e com isso oferecer novas possibilidades frente à neurose daquele deitado no divã.
Freud vai retomar muitos pontos trabalhados durante a elaboração da teoria dos sonhos por toda a construção da psicanálise. Cito as conferências proferidas por Freud durante os anos de 1915 a 1917 na Universidade de Viena como exemplo. Nestas conferências temos a oportunidade de observar um outro momento da psicanálise, se em seus trabalhos e publicações Freud vai construindo toda uma teoria, durante as conferências vemos um Freud preocupado em expor suas ideias de uma forma mais condensada, mas não por isso menos importante.  Assim como relatado na Introdução do Editor Inglês das Conferências, podemos considerar que: "As Conferências Introdutórias podem ser verdadeiramente consideradas como um inventário das conceituações de Freud e da posição da psicanálise." Enquanto que as Novas Conferências Introdutórias são, como apontadas por Freud, em sua essência, suplementos. É o que podemos observar nas conferências sobre os sonhos, que não é muito mais do que um resumo da série sobre os sonhos da série anterior.
Gostaria de deixar aqui uma referência sobre algumas conferências em que Freud vai lidar com a teoria dos sonhos. Só destacando que no Volume XV, temos uma maior quantidade de conferências que tratam especificamente sobre os processos oníricos, diferente do que acontece no Volume XXII. Deixamos o Volume XVI, que constitui a Parte III das Conferências Introdutórias de fora desta busca por tratarem de outros temas, apesar de que é possível observar referências sobre a teoria dos sonhos:

Volume XV – Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Partes I e II (1916-17 [1915-17])
Conferência V – Dificuldades e abordagens iniciais
Conferência VI – Premissas e técnica de interpretação
Conferência VII – O conteúdo manifesto dos sonhos e os pensamentos oníricos latentes
Conferência VIII – Sonhos de crianças
Conferência IX – A censura dos sonhos
Conferência X – Simbolismo nos sonhos
Conferência XI – A elaboração onírica
Conferências XII – Algumas análises de amostras de sonhos
Conferência XIII – Aspectos arcaicos e infantilismo dos sonhos
Conferência XIV – Realização de desejo
Conferência XV – Incertezas e críticas

Volume XXII – Novas Conferências Introdutórias sobre Psicanálise e outros trabalhos (1932 – 1936)
Conferência XXIX – Revisão da teoria dos sonhos
Conferência XXX – Sonhos e ocultismo

3 comentários:

  1. Paulo, antes da pergunta, segue um elogio, muito bom o texto. Agora tira uma dúvida, posso afirmar que a fantasia interfere no sonho, ou vice-versa? Abs

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  2. Valeu, Bruno! Mas, o que você tá chamando de fantasia?
    Um dos pontos altos da Interpretação é a afirmação de Freud de que o sonho é a realização de um desejo! Pensando desta forma, parece que o que chamamos de "fantasias" e o conteúdo dos sonhos não estão tão desconectados assim. O contrário nem preciso dizer, ou nunca alguém lhe disse: "Que seus sonhos se realizem!". Tem um exemplo na Interpretação (p. 158) que diz o seguinte: se à noite eu comer azeitonas ou algo salgado, ficarei com sede de madrugada e a sede me acordará. Mas, este despertar será precedido por um sonho, sempre com o mesmo conteúdo, ou seja, de que estou bebendo água. Neste caso, o sonhar toma o lugar da ação, como o faz muitas vezes em outras situações da vida.
    Nas palavras do próprio: "Verificamos, partindo de ambas as fontes de informação, que a elaboração onírica consiste, essencialmente, na transformação dos pensamentos em uma experiência alucinatória(...) Ficamos sabendo, pelos sonhos de crianças, que a intenção da elaboração onírica é eliminar o estímulo mental, perturbador do sono, por meio da realização de um desejo".
    Acabei de ver uma propaganda da Ford, aquela em que aparecem o Anderson Silva e a Deborah Secco e o sujeito apresenta um "engano" em seu devaneio. Ao invés de sonhar com a Deborah Secco, se vê numa banheira com o Anderson Silva. Isso deixa uma dúvida: se os sonhos são a realização de nossos desejos, por que muitos sonhos apresentam conteúdos extremamente angustiantes?
    Sugestão de leitura: Conferência XIV - Realização de desejo.
    Abs!!!

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  3. Show de aula Paulão, e eu consegui entender(eu acho...rs). Vou atrás desse texto ai... obrigado!

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