quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

A mulher não existe ou A pele que habito

Prefiro não fazer algum tipo de comentário sobre o filme A pele que habito, de Almodóvar, pelo simples fato de estragar a (r)evolução para quem ainda não assistiu. Ponto. Entretanto, posso falar sobre o que o filme me fez pensar. Mas, recomendo assisitr ao filme antes!!!

Existe algo na sexuação das pessoas que não está marcado na pele, ou mais especificamente, na ordem dos genitais. Em  março de 1973, no que veio a ser chamado como Letra de Uma Carta de Amor, presente no Seminário XX - Mais ainda, Lacan escreveu a seguinte fórmula:



Chamada de Fórmula da Sexuação, Lacan vai dizer que do lado esquerdo temos o campo do Homem, onde pode-se ver duas inscrições específicas

e o lado direito onde temos 

trata-se do campo da Mulher. Na parte de cima encontramos uma proposição existencial e embaixo uma proposição universal. Em cima está o particular, é o particular que cria o universal e não o contrário como supõe a Lógica clássica.

O E invertido quer dizer existe, o x (de todas as fórmulas) é o mesmo que é lido na matemática, ou seja, em substituição para qualquer outro elemento, Φ é a letra grega maiúscula fi, que aqui representa o falo simbólico. Este falo, diz Lacan, é o significante que não tem significado, contudo produtor de significação, pois faz cadeia com outros significantes (S1  S2). O falo tem como função designar, para o sujeito, o conjunto dos efeitos de significados, isto é, a dimensão da fala. Ele foi um objeto imaginário, aquele que falta à mãe. É simbólico, como efeito do recalcamento originário, dado que se torna então o significante da castração e, ele é escolhido ao que pode aparecer de Real na relação sexual. Por fim, a barra que ora está em cima de algumas fómulas simboliza uma negação e, por fim o A invertido é o símbolo para todo, quando existe a barra de negação tem-se então um para não todo

Agora uma tentativa de leitura para esta fórmula.
, existe um x para qual a função de fi (falo simbólico) é negada. Ou seja, existe um homem para quem a lei fálica, a lei da castração, da interdição, não está inscrita. Esse é o homem que Freud tratou no texto Totem e Tabu, correspondente ao pai da horda primitiva, o único homem que gozava de todas as mulheres do bando, ficando aos demais homens a interdição às mulheres. Para que os demais pudessem ter acesso às mulheres deveriam matar seu algoz, entretanto, a liberdade em excesso acaba sendo opressiva, erguem em seu lugar um totem que lhes servirá como indicador da exogamia como regra. Esse "assassinato originário" é, para Freud, o fundamento da história e também o da religião. Já o enunciado , para todo x a função fi (falo) de x é verdadeira, trocando em miúdos, para todo sujeito a castração/interdição é verdadeira. Todo homem está submetido a impossibilidade de cometer o incesto.

As fórmulas até aqui anunciadas são complementares, sendo que uma convoca a outra o que caracteriza uma sincronicidade, se todos são iguais só o são perante um totem, o não castrado, esse último elemento pode ser substituído por algo que determina o interdito, na religião, por exemplo, Deus. Lacan usou o termo homenosum, quer dizer, ao-menos-um, ao matar o homenosum, um totem é erguido em seu lugar, ao derrubar um totem, outro surge em seu lugar.

Agora o campo oposto, a mulher. Enquanto do lado do homem temos o campo do Um, do lado da mulher situa-se o Outro. Esse outro é representado por Lacan com a letra A e uma barra que a corta. Se é barrado, é não-todo. Primeiramente a fórmula  , lê-se não existe um x que não seja função de falo de x, não existe nenhuma mulher que não esteja inscrita pela castração, ao falo. Em outras palavras, todas as mulheres, sem exceção, estão submetidas à Lei, pois no conjunto das mulheres falta aquela que seria o representante do ao-menos-um do homem, falta Uma que esteja de fora e as organize. É desta noção que surge um dos aforismos de Lacan onde diz que "as mulheres não fazem classe". Já  , quer dizer que, para não todo x existe a função do falo de x, como não existe uma mãe totêmica fora da castração, esta falta pressupõe também que não existe um sexo que não tenha como referência o falo, a mulher está, portanto, não-toda assujeitada a Lei. O falo falha em dizê-la toda, só o falo não indica exatamente o que ela é. Isto quer dizer que, apesar de toda mulher estar submetida ao falo, a mulher não está toda-inteira na função fálica.

Freud em 1931, fala que a feminilidade possui 3 formas de constituição: 1) A homossexualidade, ou a superenfatização da masculinidade. Enquanto que, no homem a existência do ao-menos-um, isso colocava os demais dentro de um grupo coeso, de uma classe, com a mulher como não existe Uma todas estão fora do conjunto, contadas uma a uma, assim no lugar da onipotência do Φ está o conjunto vazio (Ø). Desta forma, a mulher é toda Φ; 2) A mulher não está nem no conjunto vazio (Ø), nem no Φ, ao que Freud deu o nome a esta saída de abandono da sexualidade e; 3) A feminilidade, propriamente dita, é a que Lacan se aproveita para para escrever a parte inferior da fórmula da sexuação. 

Existe no esquema a letra A, esta representa o conceito de Outro, um lugar que está para além do Sujeito, lugar dos significantes, por isso confunde-se com a linguagem. A barra que atravessa o A nos diz que o Outro também é barrado, falta-lhe o Significante, o que faz Lacan usá-lo do lado da mulher e não do homem. Na parte inferior do quadro, do lado do homem, Lacan inscreve o $ e também o Φ. É isso o que suporta o significante como sujeito. Quanto ao próprio sujeito, ele é barrado devido ao significante, mas, enquanto parceiro, ele só tem a ver com o objeto a, por sua vez inscrito no lado da mulher.

Do vemos partir duas setas, uma em direção ao  que, de certa forma, remete ao conjunto vazio (Ø), representa o buraco impreenxível pelo que quer que seja. Não existe o Outro do Outro, e temos aqui outro aforismo lacaniano que diz o seguinte, mulher não existe. Isto quer dizer que não há um significante que diga o que é a mulher e quando ela em seu próprio campo pergunta WAS WILL DAS WEIB (O que quer a mulher)? só pode encontrar o vazio, o homem diante da mesma questão encontra aquele que está no lugar do totem.

A outra seta, que aponta para o Φ, pois não há x que não seja função de x, caminha para a via fálica. não se liga a a, O grande Outro não se liga a um pequeno outro, assim como $ não se liga ao falo (Φ). Simular, no sentido de representar em sua maneira de ser, o homem é a posição da histérica. Partindo da inexistência da mulher, que consiste em considerar as mulheres uma a uma, sem que por isso elas constituam um conjunto finito, a partir de então as mulheres encontram-se numa posição desdobrada. Deste A barrado partem duas flechas: uma que indica faltar no Outro esse significante que poderia organizar o conjunto das mulheres, e outra que marca uma relação com a função fálica inscrita no lado homem. Assim, a mulher é dividida, em sua sexualidade, entre esses dois significantes, é dividida em seu gozo. Todos estes três termos ,e a, se prestam para falar disto que não se escreve, deste problema que temos no inconsciente com o dizer, com a impossibilidade de dizer, de escrever um tipo de significação.

O fato de Lacan dizer que o ato sexual não existe (outro aforismo!), lembrando de que não estamos falando aqui da relação dos corpos, não é uma questão de corpos, mas de significantes, significa dizer que, toda vez que um homem tenta atingir sua parceira seuxal, ou seja, o Outro sexo por excelência, só o consegue fazer montando seu fantasma ($ ◊ a), relegando sua amada à condição de ser causa de seu desejo. Cada um só vai encontrar o outro através de seu próprio fantasma. Isto explica o fato das mulheres serem tão suscetíveis a elogios, pois desse a (objeto pequeno a) a mulher não tem acesso (Ⱥ não se liga a a), só quando é investida por um homem, de ser sua mulher quando na verdade é uma-mulher-entre-outras.

Estas explicações tem um maior efeito para aqueles que assistiram ao filme, pois quando Almodóvar sustenta que a mulher não existe, diz que mesmo sendo possível habitar uma mulher, não é algo que possa ser feito ao pé da letra. A homossexualidade masculina é de outra ordem, que um homem sinta atração sexual por outro homem, de modo algum isto o torna mulher, mas não é este o nosso caso. O homem busca na mulher aquilo que relaciona-se com seus objetos, com seus desejos, enquadra-se nesta relação. Mas de modo algum será a mulher. Para isto teria que responder a velha questão: o que quer a mulher? e daí cairia num fundo sem poço.

Referência Bibliográfica:
GERBASE, Jairo. A hipótese de Lacan sobre A mulher. Disponível em http://www.campopsicanalitico.com.br/biblioteca/conferencia_Gerbase_revisao_JG.pdf, último acesso em 05 de janeiro de 2012. 

LACAN, Jacques. O Seminário XX, Mais, Ainda, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.

RODRIGUES, Pedro L. de L. Fórmulas da sexuação. Disponível em veredas.traco-freudiano.org/veredas-8/txt-pedro.doc, último acesso em 05 de janeiro de 2012.

VANIER, Alain. Lacan; trad. Nícia Adan Bonatti. São Paulo: Estação Liberdade, 2005. (Figuras do saber; 13).

VOLACO, Gustavo C. A derrisão da esfera ou a relação sexual não existe. Disponível em http://www.letra-psicanalise.com/index.php?option=com_content&view=article&id=163:a-derrisao-da-esfera-ou-a-relacao-sexual-nao-existe&catid=75:gustavo-capobianco-volaco&Itemid=148, último acesso em 05 de janeiro de 2012.

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